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Especialista finlandês defende formação de professores para melhorar a qualidade de ensino

Oct 09, 2009

Especialista finlandês defende formação de professores para melhorar a qualidade de ensino

Finlandês Jouni Välijärvi, especialista em avaliação educacional

No próximo dia 15 de outubro, comemora-se no Brasil o Dia do Professor. Com o objetivo de contribuir para a melhoria da educação no Brasil, a Fundação SM realiza no próximo dia 22 de outubro o Seminário de Educação para a Cidadania, tendo como tema a formação e a iniciação profissional do professor e as implicações sobre a qualidade do ensino. Para discutir o assunto, o convidado desta edição é o finlandês Jouni Välijärvi, doutor pela Universidade de Jyväskylä (a 250 km ao norte da capital, Helsinki), onde dirige o Instituto de Pesquisas Educacionais, especializado em avaliação educacional. Autor de livros e artigos de repercussão internacional, desenvolve pesquisas nas áreas de sistemas de educação, currículo escolar, formação de professores e bem-estar dos estudantes.

Jouni dirigiu na Finlândia a implantação do Pisa (sigla em inglês para o Programa Internacional de Avaliação de Alunos), um programa de avaliação internacional, aplicado a cada três anos, que mede o nível educacional de jovens de 15 anos em leitura, matemática e ciências, realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade que reúne mais de 30 países.

Nesta entrevista, o especialista finlandês reflete sobre as chaves que fizeram da Finlândia uma referência em qualidade educacional no mundo inteiro, uma oportunidade para os educadores e gestores de educação no Brasil refletirem sobre a realidade nacional e os desafios a superar nesse final do primeiro decênio do século XXI.

 

O senhor já esteve no Brasil, anos atrás, e já travou algum contato com nossa realidade. Como vê a educação brasileira, ainda que a distância? Sua experiência lhe permite dizer que os desafios brasileiros são particulares ou se assemelham ao de outros países emergentes? Consegue identificar qualidades no sistema educacional brasileiro?

Essa é para mim uma pergunta quase impossível de responder. De acordo com os resultados do Pisa, o Brasil teve grande progresso em matemática de 2000 (média de 334 pontos) para 2006 (370 pontos). Também houve progresso na área de ciências (375 em 2000, 390 em 2006). Um país tão grande como o Brasil tem também problemas grandes. Pelo meu entendimento, as diferenças sócio-econômicas entre grupos sociais, escolas, residências etc. são muito acentuadas. Garantir educação básica de alta qualidade deveria estar no centro da política a longo prazo. Investir na formação de professores, educação compreensiva (um mesmo programa para todos, todos os alunos trabalhando juntos), discriminação positiva de áreas (norte-sul, cidades-áreas rurais) e escolas (dando apoio àquelas com os problemas mais sérios) e ajudando a comunidade local a assumir responsabilidade na organização da educação foram as soluções adotadas na Finlândia quando nós reconstruímos o sistema nas décadas de 60 e 70. Mesmo hoje a Finlândia investe muito no treinamento de professores. Todos os professores da rede primária fazem mestrado, mas não passam por testes nacionais ou inspeções escolares. A responsabilidade local é fortemente enfatizada.  

 

A Finlândia se tornou, ao longo dos últimos anos, uma referência mundial em Educação. Certamente, isso se deve ao excelente desempenho no Pisa. Que outros fatores indicaria como evidências do sucesso das políticas educacionais em curso na Finlândia?

Quase todos os alunos (99,7%) passam pela educação básica formal. Quase 90% dos jovens finlandeses também recebem qualificação da escola secundária no colegial ou em escolas vocacionais. Estamos ainda desenvolvendo cada vez mais um trabalho com aqueles 10% que não completam o colegial. Um indicador importante é o status do trabalho de professor na sociedade finlandesa e a popularidade da profissão entre jovens. Por exemplo, na minha própria universidade, escolhemos apenas 15% dos inscritos no programa para professores da rede primária.
  

O avanço educacional finlandês é fruto de reformas recentes ou de processos longos, que vêm atravessando governos? Poderia apontar alguns marcos importantes da evolução do sistema educativo nas últimas décadas?

O momento mais importante foi no começo da década de 70 quando a Finlândia mudou para o sistema de escola completa. Dois tipos de escola foram fundidos em basicamente um programa para todos os alunos, e todos os alunos trabalhando em grupos heterogêneos. Ao mesmo tempo, decisões políticas foram tomadas para mudar toda a formação de professores para as universidades, e o mestrado foi estabelecido como requisito mínimo para professores da rede primária (professores do ensino fundamental I, do 1º ao 5º ano).    

 

Quais são, a seu ver, os alicerces da qualidade de ensino na Finlândia? Acredita que esses fatores podem ser replicados, ou seja, servir de exemplo para outros países, ou o senhor está entre aqueles que não acreditam em soluções padronizadas?

Mudar a formação de professores nas universidades e estabelecer um alto nível de requisitos formais para os professores (como a exigência do mestrado) aumentou a qualidade do ensino e manteve a popularidade da profissão em um alto nível. Treinar os professores em sete universidades espalhadas pelo país também garantiu uma oferta equilibrada de novos professores nas regiões norte e leste do país. O investimento em educação especial e a integração da educação especial nas escolas e classes normais ajudou a satisfazer melhor as necessidades individuais dos alunos.

 

Um momento central do Seminário de Educação para a Cidadania, do qual o senhor participará, refere-se à apresentação de uma pesquisa nacional sobre a formação o inicial dos professores. A pesquisa ouviu centenas de docentes para saber como vêem a própria formação acadêmica, no ensino superior, e os desafios encontrados nos primeiros anos de atuação. Por isso, é particularmente importante compreender como se dá esse processo na Finlândia. Como se forma um professor, por exemplo, dos anos iniciais da escolaridade? Quantos anos estuda, que tipo de disciplinas tem? Nessa formação inicial, qual o peso dos estágios supervisionados?

O programa para professores de educação básica dura cinco anos em média. A principal matéria é educação, ou seja, abrange diferentes teorias de educação, avaliação em sala de aula, algum conhecimento básico em educação especial, os conteúdos das matérias a serem lecionadas na escola e também treinamento prático (principalmente na escola de treinamento da universidade, mas também em escolas normais). Os professores-alunos são supervisionados e avaliados pelos seus supervisores que são membros do corpo docente do departamento de educação para professores. Motivar os alunos a entender e usar pesquisa no seu trabalho e também a fazer suas próprias pesquisas em escala pequena é uma parte crucial do treinamento inicial. Em outras palavras, nós tentamos treiná-los a serem capazes de refletir sobre a teoria e a prática como parte do desenvolvimento de suas habilidades. Os professores devem realizar sua própria pesquisa (dissertação de mestrado) como parte de seu treinamento inicial.  

 

Que tipo de suporte recebe o professor quando inicia seu trabalho nas escolas? Como o docente escolhe a escola onde trabalhará? Existe algum critério para que os professores iniciantes dêem aulas em escolas menos problemáticas?

Essa é uma fase da carreira do professor que está em mudança agora e vai mudar nos próximos anos na Finlândia. Tradicionalmente, os professores vão para as escolas e começam seu trabalho após o treinamento inicial sem nenhum apoio especial. Na maioria dos casos, cada escola individual e seu diretor decidem se haverá algum tipo de apoio especial para os novos professores. Agora estamos desenvolvendo nacionalmente sistemas de mentores para ajudar novos professores a se integrar na realidade das escolas. O sistema de mentores significa que professores com mais experiência ajudam os mais novos a terem um começo mais “suave” e a aprenderem sobre as realidades das escolas com eficiência. Novos professores qualificados podem se inscrever para qualquer posição. O processo é aberto e tem que seguir critérios estabelecidos na legislação, ou seja, os municípios (que têm a principal responsabilidade de organizar a educação e contratar professores no âmbito local) devem selecionar os melhores candidatos. Isso significa que normalmente os professores mais experientes, e não só os mais qualificados, são escolhidos para os cargos mais populares. Normalmente esses cargos estão localizados nas cidades. Na prática, isso significa que professores novos normalmente começam em escolas pequenas e mais remotas. Entretanto, os cargos nas maiores cidades (área metropolitana de Helsinki) não são mais tão concorridos por causa do custo de vida mais alto e do aumento de problemas sociais dos alunos. Em muitos casos, eles também querem ficar na área onde receberam treinamento e que muitas vezes é a região onde nasceram e viveram boa parte de suas vidas. Por isso é importante que os professores sejam treinados em todas as universidades do país. É também importante lembrar que na Finlândia, ao contrário de muitos outros países, a variação entre escolas é muito pequena e não sistemática. Não há nenhum ranking claro de escolas da rede primária ou secundária que afete profundamente o processo de seleção de professores.      

 

Qual é a importância, a seu ver, da troca de experiências entre os professores mais antigos e os mais novos? Em muitos países, surgem exemplos de ‘coaching’, algo que os professores mais novos no Brasil parecem não valorizar, segundo a pesquisa realizada.

Pessoalmente eu considero esse tipo de troca muito importante e nós estamos tentando fortalecer e sistematizar esses processos (usando mentores como ferramentas). Está se tornando cada vez mais importante ajudar e motivar novos professores a se integrarem àrealidade escolar porque há muitos professores que irão se aposentar nos próximos anos. Nas nossas pesquisas, descobrimos que não há uma única maneira de organizar a troca de experiências entre os professores com mais experiência e os mais novos. Deixamos os próprios professores acharem o que funciona melhor localmente, mas podemos promover certas práticas, como dar tempo, modelos e outros recursos. O comportamento dos diretores das escolas é extremamente importante.

 

Que peso têm, na Finlândia, os processos de formação em serviço? Em outras palavras, qual é a frequência com que os professores recorrem a cursos, treinamentos e outras atividades de educação continuada?

Isso depende muito das atividades e da motivação do próprio professor e também dos recursos que os municípios estão oferecendo às escolas e aos professores individuais. A variação entre municípios, escolas e professores é muito grande. É por isso que a Finlândia está reorganizando o sistema inteiro. O sistema atual é muito fragmentado e ineficaz. Entretanto, baseado na legislação, cada professor tem que participar de treinamento em serviço pelo menos três dias por ano. Mas, como disse anteriormente, a qualidade e efetividade desse treinamento varia muito e é baixa hoje em dia. Os professores mais motivados a desenvolver sua pedagogia normalmente usam uma parcela grande de seu próprio tempo e dinheiro para fazer cursos de treinamento.

 

Como é o uso da tecnologia para a formação dos professores? São frequentes os programas de educação continuada via internet? Há alguma tendência recente nesse sentido?

Infelizmente eu tenho que dizer que o uso de tecnologia na educação de professores (e dentro das escolas normais) não se desenvolveu tão bem quanto achávamos nas décadas de 80 e 90. Encontram-se, ao mesmo tempo, universidades com práticas extremamente sofisticadas e baseadas em pesquisas e outras universidades onde muito pouco foi feito nessa direção. As universidades são independentes para decidir como organizar a educação de professores, incluindo como eles usam e apóiam a tecnologia. No geral, a situação não é satisfatória e estou convencido de que o ministério da educação finlandês vai investir nisso nos próximos anos. Se você der uma olhada no estudo comparativo internacional SITES (2008) verá que a Finlândia está ficando para trás em relação a outros países na utilização de tecnologia na sala de aula, sendo que há apenas alguns anos nós éramos um dos países líderes. Mas há exemplos muito positivos em escolas e institutos de educação para professores. Depende muito dos professores individuais. 

 

Quais são os desafios para a educação finlandesa, nos próximos anos? Trata-se de um sistema já definitivamente consolidado ou ajustes também são necessários nesse campo? O senhor vê uma corrida mundial pela qualidade em Educação?

Eu gostaria de ver no mundo inteiro uma corrida em busca da qualidade e da igualdade na educação. Eu não acredito que possa haver alta qualidade sustentável sem uma estruturação por igual do sistema escolar e igualdade em satisfazer as diferentes necessidades de crianças e jovens individuais. Nós também temos muitos desafios a superar na Finlândia. Por exemplo, como garantir a competência para o aprendizado durante a vida inteira de todos os cidadãos. Cerca de 10 a 15% dos jovens deixam o sistema escolar sem nenhum treinamento especializado para alguma profissão. Eles têm grandes dificuldades para achar algum tipo de emprego estável em um mercado cada vez mais exigente. A questão de sexo também é um desafio na Finlândia. Na leitura, os meninos estão muito atrás das garotas e a diferença aumenta cada vez mais. Em matemática, as meninas estão indo quase tão bem quanto os meninos, mas sua confiança em si mesmas, seu interesse e sua participação em matemática são muito menores que os dos meninos e sua motivação para estudar matemática, ciência e tecnologia avançada no segundo e terceiro grau ainda está muito baixa. Na prática, isso significa que as universidades têm dificuldades permanentes para achar bons candidatos para esses programas. Satisfazer melhor as necessidades dos melhores alunos também é um assunto importante. Na política educacional, está se tornando cada vez mais difícil garantir acesso, qualidade e recursos iguais para a educação no país inteiro (como é agora de acordo com os resultados do Pisa) quando o número de alunos está diminuindo na região norte e leste do país, a população está envelhecendo, os sistemas de saúde e previdência estão gastando mais dinheiro e muitos municípios estão com sérios problemas financeiros em decorrência da crise global. Um país como a Finlândia, que tem uma economia pequena, aberta, muito dependente do mercado global e um sistema de educação totalmente financiado por dinheiro público, torna-se muito vulnerável quando o mundo fica mais instável econômica ou financeiramente.


 Jouni Välijärvi participa do Seminário de Educação para a Cidadania
Realização: Fundação SM e Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI)
Data: 22 de outubro, quinta-feira, das 8h às 12h
Local: Fecomércio (Rua Dr. Plínio Barreto, 285 - Bela Vista - São Paulo - SP)
Inscrições gratuitas: (11) 2111-7545 ou [email protected]

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