Imagens errantes: ambiguidade, resistência e cultura de moda
Com as Grandes Navegações dos séculos XV e XVI, novos hábitos de consumo foram introduzidos na Europa e nas Américas, já que a ampliação das rotas comerciais intercontinentais permitiu a entrada de produtos raros nesses mercados. Dentre eles, destacam-se tecidos de algodão ornamentados com padrões florais, conhecidos como chitas, que neste estudo são tratados pela ótica da comunicação. Considerados bens típicos de dadas regiões, foram muito apreciados e adquiridos pelos viajantes para confecção de roupas, multiplicando sua presença em vários países e permitindo amplo deslocamento de imagens estrangeiras. Se a comercialização e o uso sugerem a possibilidade de acessar significados culturais considerados inacessíveis, ou seja, de criar um vínculo com o Outro distante, algodões florais desses países supostamente guardariam, nas camadas de imagens errantes, certo patrimônio simbólico. Esta pesquisa objetiva desvendar de que maneira e em que medida as imagens-souvenir presentes nas chitas estabelecem vínculos comunicacionais com consumidores de distintas culturas, possibilitando uma pós-vida das imagens. Para tanto, utiliza os conceitos de mídia primária e secundária advindos da Teoria da Mídia de Harry Pross, os estudos sobre vinculação comunicativa e iconofagia de Norval Baitello Júnior, e as postulações da Teoria da Imagem difundidas por Hans Belting e Aby Warburg. No âmbito dos têxteis, uma aparente evolução incentiva o consumo, ou a devoração, de uma imagem pela outra, caracterizando processos de iconofagia. Assim, o estudo acompanha a jornada das chitas no mercado internacional, com o intuito de detectar a presença de imagens em movimento e entender a migração simbólica na estamparia floral. A reflexão foca-se especialmente no México, partindo das imagens presentes nos têxteis produzidos pelos indígenas zapotecas, comumente escolhidos pela pintora Frida Kahlo para compor sua aparência. A análise considera em que medida elas se mesclam a outras imagens da cultura, resistindo e sobrevivendo, ainda que os intercâmbios de saberes e técnicas artesanais entre os povos venham gerando adaptações para a produção industrial. Ao abordar a presença de imagens errantes e mestiças no guarda-roupa da artista, o estudo investiga os modos pelos quais a imagem pública de Frida Kahlo funciona como ponte para alcançar significados deslocados no mercado movediço do comércio de souvenirs, que, por sua vez, se reabasteceria com simulacros dos vínculos almejados. A pesquisa conclui que o tecido pode ser considerado uma mídia secundária que se soma ao corpo para expandir sua presença no mundo e vencer a morte, estabelecendo vínculos comunicativos entre culturas e favorecendo a pós-vida das imagens.