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Romance gótico resgata mitologia em ritmo acelerado
Oct 27, 2011
Autor de 'Ahmnat - Os amores da Morte', o paulistano Julien De Lucca, 34 anos, cursou Propaganda e Marketing e se especializou em criação e design. Nesta entrevista, ele fala sobre sua estreia como escritor, suas influências literárias, seu processo de criação. E discute também temas como produção literária no Brasil, a literatura fantástica e seus sub-gêneros, mercado editorial, hábitos de leitura entre os jovens, e muito mais. Confira a seguir.
Trabalhando na área de direção de arte e web, Ahmnat é seu texto de estreia como autor. Como foi essa transição da imagem ao discurso verbal?
Na verdade eu sempre tive uma queda pelo discurso verbal. Afinal, mesmo antes de eu pensar em fazer uma faculdade, ainda no ensino fundamental, eu já escrevia poesias e histórias e gostava de jogar com palavras. Então na verdade eu sinto que foi mais a realização de algo que eu sempre gostei, mas nunca expressei publicamente do que uma transição de uma área para outra.
Como concilia as atividades profissionais e a de escritor?
Tenho que admitir que não é nada fácil. Principalmente quando você está super concentrado e mergulhado em outro mundo, lidando com personagens e pensando nos seus diálogos anteriores e o brilho irritante do relógio avisa que você tem que parar tudo e ir dormir pois amanhã tem uma reunião cedo. Mas eu acredito que os desafios que se tem no trabalho, de formas modificadas e em sua maioria exageradas, tornam-se inspiração também para situações no livro. Sendo assim, o trabalho passa a ser um tipo de pesquisa para os acontecimentos da história. E por causa do curto tempo para escrever, geralmente eu passo vários momentos anotando ou tendo idéias e tentando montar primeiro na minha cabeça um roteiro de certa parte para quando sentar para escrever eu já saber o que eu vou fazer. O costume de otimizar o tempo vem naturalmente.
O que o inspirou a escrever Ahmnat? De onde vem o título?
Um dia eu tive um sonho bizarro (de tanto seriado, videogame, quadrinhos, livros e filmes, eu tenho sempre sonhos bizarros): eu estava sentado numa cadeira dentro de uma sala sem fronteiras, toda branca, e na minha frente tinha uma garota de vestido preto, olhando para mim com um sorrisinho no rosto. Conversamos por um tempo e ela me disse ser a morte. E aquela situação era tão esquisita que eu brinquei com ela dizendo: isso daria um ótimo livro. Ela disse: Então escreva. Escreva minha história. E eu me lembro de estar quase acordando, com as imagens já fugindo de vista, quando perguntei como eu iria saber o que escrever? Ela respondeu que eu saberia na hora. Mas eu nem sei seu nome! - eu disse com ela quase invisível, segundos antes de acordar. - Meu nome é Ahmnat. Ela respondeu. Fiz questão de usar exatamente essa frase ao final do primeiro capítulo do livro.
Sua história aborda temas como incesto, destino, amor, vida e morte, além de resgatar aspectos históricos. Qual a importância de falar sobre tais assuntos?
Eu gosto de desmistificar alguns assuntos. De fazer minha personagem, por exemplo, passar sob uma escada, tropeçar num gato preto e bater com o ombro num espelho, partindo-o em pedaço e ela não ter um milhão de anos de azar. Eu acho que é importante que as pessoas tenham ideias próprias, formem suas próprias opiniões sobre assuntos polêmicos, não simplesmente deem a resposta padrão que ouviram quando crianças. Matar é errado. Por quê? Todos nós temos a liberdade de matar. Seremos presos e afastados da sociedade após isso, mas a liberdade está lá. Temos leis para que consigamos conviver em sociedade, mas não leis para viver. Por que é errado causar o sofrimento? Quem disse que é errado? Não sou nenhum sociopata, claro, e gosto de viver em sociedade, mas acho interessante levantar essas questões para estimular pensamentos próprios, argumentos novos.
Gosto de misturar realidade e fantasia e deixar os jovens trazerem esses elementos fantásticos para suas realidades.
Quais os paralelos de Ahmnat com os contos de fadas tradicionais?
Os contos de fada tradicionais tornaram-se clássicos exatamente por conterem elementos que permeiam nossas vidas de uma forma ou de outra. Ahmnat por exemplo vai para um outro mundo onde tudo é diferente (Alice), neste mundo ela não envelhece e pode ser garota para sempre (Peter Pan), sua mãe a protege da realidade quando jovem e então ela vê que o mundo não é como ela imaginava (Rapunzel). São várias referências a contos clássicos que remetem a passagens da vida de muitas pessoas.
O que há de mais gratificante em escrever para jovens?
Sem dúvida alguma o poder de abstração de jovens, jovens-adultos. Para o autor, isso é fabuloso, pois você pode descrever a criatura mais absurda que conseguiu inventar e os jovens certamente criarão uma imagem mental dela. Discutirão com outros como eles a imaginaram. É por isso o fato da maioria de livros adultos serem romances melosos ou thrillers policiais. Pois eles lidam com a realidade fácil, a realidade física do mundo. É bem complicado você descrever, por exemplo, uma quimera para uma pessoa que nunca leu sobre mitologia, nunca se interessou por fantasia ou mesmo nunca se interessou por algo que não existe. Um dos motivos que eu gosto de misturar realidade e fantasia é exatamente para misturar os dois mundos e deixar os jovens trazerem esses elementos fantásticos para suas realidades.
Há algum cuidado que deva ser tomado ao se escrever para este público?
Acredito que o único cuidado que eu tomo escrevendo para jovens-adultos é o ritmo. Como a quantidade de informação que temos hoje é algo descomunal, cada dia surgindo mais coisas interessantes para se ver, aprender, ouvir, ler, jogar, assistir, é muito importante manter um ritmo de história que prenda o leitor. Manter ele sempre curioso, manter ele interessado na sua história. Caso você perca o ritmo ou passe muito tempo sem acontecer algo relevante para a trama, as chances deles irem fazer outra coisa e nunca mais voltarem é grande.
Como você acredita que a leitura possa ser estimulada entre os jovens?
Eu posso estar falando besteira, mas acho que é falta de divulgação. Não conheço o mercado literário para dizer com certeza, mas eu vejo muito mais propagandas de livros e pôsteres e banners e mídia em geral sobre filmes, novelas etc. do que para livros. Claro que para você colocar um anúncio destes o retorno precisa compensar e imagino que nem se compara o custo de produção destas mídias ao retorno que você tem em TV ou cinema por exemplo. Mas creio que quando o jovem sabe onde procurar lançamentos, quando encontrá-los e quanto isso irá satisfazer sua curiosidade, um bom livro sempre terá prioridade sobre o resto. Quantas pessoas você já não viu comentar "O livro é bem melhor que o filme!"? Então acho que com uma divulgação mais ampla, teremos certamente mais leitores.
Para contar uma história não há limites.
Que livros marcaram sua infância e adolescência?
Eu adorava um livro chamado Depois que Todo Mundo Dormiu, de Eduardo Piochi. Foi o primeiro livro que realmente mexeu com a minha imaginação por ser completamente fora do padrão infantil. Duas crianças viajavam pelas ruas como se esta fossem rios escuros e mergulhavam num submarino, acabavam por encontrar uma espécie de goblin no metrô, enfim... Despertou algo em mim que mostrava que para contar uma história você não tinha limites mesmo. Outros livros que gostei muito de ler foram As Parceiras, de Lya Luft, A Morte tem 7 Herdeiros, de Stella Carr e Ganymedes José e, evidentemente, um monte dos títulos da famosa Coleção Vagalume: Um cadáver Ouve Rádio, O Mistério do Cinco Estrelas, ambos de Marcos Rey, entre outros. Aos meus 20 e poucos anos era apaixonado por Anne Rice e Stephen King.
Que autores mais o influenciam? Por quê?
Anne Rice pela profundidade fantástica que ela dá para suas personagens. Creio que Ahmnat tenha muito de Lestat nela, no sentido de fazer as coisas simplesmente por ter vontade. Essa impulsividade foi algo que eu achei fabuloso. Anne Rice consegue colocar em palavras as sensações mais profundas e mais sutis possíveis realizadas por uma personagem. Ela transforma palavras em pessoas reais, sejam elas vampiros, bruxas ou demônios. E certamente Dan Brown, que, desde seu romance de estréia tem um estilo fantástico de escrever um thriller, sempre deixando o leitor ávido para ler a próxima página. Eu adoro o fato de você querer sempre saber mais sobre o que vai acontecer depois e qual será o destino desta ou daquela personagem. E principalmente quando ele sempre deixa a ação suspensa exatamente antes de mudar o foco da narrativa para algo sem ação. Faz com que você passe rapidamente por aquela parte só para saber o resultado da anterior. Ele consegue prender um leitor como ninguém.
Segundo a Revista Brasileira de Literatura Fantástica, a definição de literatura fantástica é bastante contraditória e diversificada, com vários sub-gêneros. Como você define Ahmnat - Os amores da Morte?
Sinceramente eu nem pensei em uma definição para a história quando comecei a escrever. Eu definiria Ahmnat - Os amores da Morte como um romance gótico, levando em conta todas partes mórbidas, as emoções exaltadas, todas as vezes que ela filosofa sobre a vida. Mas ao mesmo tempo ela se baseia na realidade e em fatos que ocorreram na história da humanidade, pendendo mais para um mundo fantástico mas restrito. Certa parte do livro por exemplo, é praticamente um romance policial, totalmente imerso na realidade, apenas com referências fantásticas.
O livro é, em sua maior parte, narrado em primeira pessoa, por uma mulher. Qual a razão disso?
Eu sempre adorei personagens femininas fortes. O poder de decisão e de realização femininos tem um impacto maior sobre o emocional. É fabulosa a impulsividade feminina que as vezes culmina em uma decisão errada e ela pode ter literalmente todos os tipos de reação após isso: chorar, explodir em raiva ou ignorar o fato. Mas aquilo ainda ficará guardado com ela. A figura feminina como heroína, na minha opinião, é sempre mais forte que a masculina. O jeito de pensar das mulheres é muito mais interessante de saber a respeito.
Como você conseguiu ser publicado num país em que ainda não privilegia o autor nacional? Foi difícil encontrar uma editora que apostasse na sua obra?
Na verdade não foi nada difícil: eu tive muita sorte. Muito pouco tempo após terminar de escrever o livro, ainda nem o tinha registrado na Biblioteca Nacional, e acabei reencontrando a Gabriela Nascimento que não via desde os tempos de colégio numa reunião com a turma antiga. Foi quando descobri que ela era editora da Gutenberg e perguntei: acabei de terminar meu primeiro romance, quer dar uma olhada e ver se gosta? Depois de um bom tempo e algumas lombadas no caminho, o livro será publicado, sem modificações. Mas também acredito que o material ficou bom. Demorei muito tempo para produzi-lo mas pelo menos ficou do jeito que eu queria.
Literatura é a porta para dentro de si mesmo.
Você e sua editora estudaram juntos e se reencontraram anos depois. Como foi lidar com essa relação editora-autor?
Para mim certamente foi ótimo! Foi uma surpresa, uma excelente coincidência, pois como comentei havia acabado de terminar o livro. O timing foi perfeito, não havia nem enviado para outras editoras ainda. Eu sempre acreditei que nada acontece por acaso e esse reencontro realmente pareceu obra do Destino...
Você é filho de escritora, irmão de ilustradora, houve pressão para você entrar nesse mundo literário? Ou pelo contrário, fluiu justamente por isso?
Não houve pressão alguma. Principalmente porque minha mãe faz um milhão de outras coisas, minha irmã é professora de arte, eu mesmo sempre trabalhei com outras coisas também. Escrever é um hobby que deu certo. Claro que vê-las publicarem seus trabalhos foi um incentivo a mais para fazer o mesmo.
Qual é sua definição para a literatura?
Para mim, a literatura é aquilo que você quer que ela seja. Literatura é a porta para dentro de si mesmo.
Julien De Lucca é autor de Ahmnat - Os amores da Morte, publicado pela Editora Gutenberg. Para mais informações, acesse o site www.editoragutenberg.com.br e siga no Twitter gutenberg_ed e no Facebook Editora Gutenberg.
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