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De ilustradora a escritora: a trajetória da mineira que ganhou o Prêmio Barco a Vapor 2009
Nov 10, 2009
Mineira de Ponte Nova, Mariângela Haddad foi a vencedora do 5º Prêmio Barco a Vapor de Literatura Infantil e Juvenil, concedido pela Fundação SM, com O sumiço da pantufa, texto que marca sua estreia como escritora, depois de 25 anos como ilustradora de livros infantis e juvenis.
Nesta entrevista, ela conta como foi sua formação como leitora, os livros e autores que a influenciaram, como e por que escrever para crianças, e discute políticas e estratégias de estímulo à leitura.
Além do prêmio em dinheiro (R$ 30 mil), Mariângela Haddad terá seu texto O sumiço da pantufa publicado em 2010 por Edições SM, dentro da coleção Barco a Vapor, que se propõe a despertar o prazer pela leitura entre os jovens leitores.
Trabalhando há tempos como ilustradora de livros infantis e juvenis, O sumiço da pantufa é seu texto de estreia como autora. Como foi essa transição da imagem ao discurso?
O ofício de ilustradora, que exerço há mais de 25 anos, me possibilitou o exercício quase diário da contação de histórias através de imagens. Acabo fazendo uma releitura dos textos que ilustro. Essa prática me fez, além de leitora muito atenta desses textos, também uma apreciadora e crítica – até sem querer – dos textos em geral escritos para o público infantil. Muitas vezes me pego querendo que as histórias tomassem outro rumo ou que os personagens se comportassem de outra maneira. Ler constantemente favorece a imaginação e a criação. No meu caso, resolvi escrever histórias que gostaria de ler.
Fale um pouco de sua experiência como leitora e das eventuais marcas que ela deixou naquilo que você escreve.
Personagens de minha infância sempre me levaram para alguma forma de literatura. Um dos meus tios era caixeiro-viajante, representante da Editora do Brasil, e chegava em Ponte Nova (MG) carregado de livros, principalmente contos de fadas estrangeiros. Minha avó italiana um dia pegou um navio e passou não sei quantos anos indo e vindo pelo mundo, resolvendo coisas. Quando voltava para casa, contava cada história de deixar nós, as crianças, enlouquecidas de imaginação. Meu pai, libanês legítimo, era meu personagem particular: de minha casa, eu avistava umas palmeiras no alto de um morro e dizia que meu pai tinha vindo dali, de muito longe, do deserto do Saara... E minha mãe me protegia quando eu pegava um livro, ninguém nem nada me atrapalhava.
Gostava de ler dicionários e invejava secretamente uma colega que lia, segundo ela, cerca de 100 livros por ano da biblioteca pública! E ainda fazia uma lista dessas leituras!
Não tenho livros de cabeceira específicos, são sempre os últimos que estou lendo, mas, talvez por depender tanto de meus olhos para ilustrar, fiquei muito impressionada com o Ensaio sobre a cegueira, do Saramago.
Adoro atacar bibliotecas alheias, ler livros emprestados e já lidos, carregar o livro comigo para cima e para baixo, para qualquer eventualidade... Também sei que fui e continuo sendo antes de mais nada uma ouvinte.
O que a levou a escrever livros para o público infantil?
Talvez o fato de ser uma ávida leitora de livros infantis e querer ilustrar minhas próprias histórias. Tenho também uma interação muito criativa com crianças em geral. E, no mais, sou de uma família contadora de casos.
Escrever para leitores iniciantes implica algum tipo de restrição em termos de linguagem, assunto, enfoque etc.?
Acho que é preciso sensibilidade e bom-senso para trazer o leitor iniciante para a leitura e não afastá-lo. Nesse sentido, é bom cuidar disso tudo – linguagem, assunto, enfoque – e também do ritmo e da clareza do texto para que o leitor iniciante entenda e fique capturado pela história, se identifique com algum personagem e queira continuar lendo.
Como foi o processo de elaboração de O sumiço da pantufa? De onde surgiu a ideia?
Gosto muito de jogos, enigmas e desafios, e estava, há algum tempo, lendo uma pilha de livros policiais. Já vinha ensaiando me inscrever no Barco a Vapor desde o primeiro prêmio, mas nunca conseguia tempo para fechar um texto. Decidi tentar este ano, uma semana antes do encerramento das inscrições, em fevereiro. Não tinha o enredo, mas sabia a forma: diferentes abordagens de um fato do cotidiano que possibilitasse alguma polêmica, mas que não fosse complicado. Fui nadar enquanto alinhavava a história na cabeça e só sai da piscina quando já tinha o “crime” e alguns personagens entrelaçados (quase morri afogada...). Os demais personagens, os problemas e os ajustes do texto foram aparecendo na madrugada de digitação frenética. Sou mais uma entre as pessoas que rendem bem sob pressão.
Uma das coisas que chama a atenção em seu texto é a brincadeira com diferentes pontos de vista. A cada parágrafo, iniciado pelo bordão “foi assim”, muda o foco narrativo, alternando relatos de personagens humanos, animais e até elementos inanimados, como sapatos e pantufas. A linguagem, porém, não acompanha essa alternância: todos os personagens se expressam de modo semelhante, em um mesmo registro. Isso parece ressaltar o caráter de jogo, de artifício da narrativa, que filtra e uniformiza a diversidade de vozes. A tensão entre diversidade e uniformidade foi uma escolha consciente, definida de antemão?
Não, aconteceu naturalmente durante a escrita, mas foi uma questão que me fez hesitar, pensar se deveria esperar um pouco antes de enviar o texto e trabalhar mais a especificidade de cada personagem. Finalmente, deixei como estava; assim, optei por realçar as afinidades entre alguns personagens por meio da semelhança de suas vozes. Dessa maneira, facilitei para o leitor iniciante o fechamento da história como eu desejava, mas sem precisar explicitá-lo, como eu também desejava.
Essa tensão se relaciona de algum modo às convenções específicas do gênero “policial”, que obriga distintas vozes a entrar no molde do testemunho?
O gênero “policial” em geral se constrói por meio de depoimentos dos suspeitos e das deduções de algum detetive. Em O sumiço da pantufa, coloquei o leitor como o detetive que ouve os depoimentos, filtra as informações, deduz e conclui. Isso justifica a uniformidade das diferentes vozes, já que passam por esse filtro do detetive-leitor. Por outro lado, apesar de depoimentos em geral serem longos e minuciosos, o bloco-livro do detetive-leitor contém apenas anotações concisas e relevantes sobre as pistas.
A história em si é muito simples, nenhum personagem é mais importante do que o outro, os depoimentos têm o mesmo tamanho e logo na primeira frase o “mistério” já está parcialmente resolvido. Cabe ao leitor montar esse quebra-cabeça de oito peças que estrutura o texto e ver no que vai dar. Graficamente, é um livro em que as ilustrações podem facilitar muito a leitura, mas não deveriam, é bom manter o detetive confuso no início da investigação!
Outra coisa que chama a atenção no eu texto é modo pelo qual, sob a aparência de leveza e brincadeira, ele alude a certas experiências de desestabilização emocional. O mistério criado em torno da perda de um objeto – a pantufa da mãe – tem por pano de fundo a mudança de casa (perda das referências habituais) e o trauma do gatinho, separado de sua mãe. Comente.
A todo momento, perdemos coisas e ganhamos outras, às vezes sem nem mesmo perceber. O sumiço da pantufa se desenrola no espaço de uma noite e um dia. E, durante essas quase 24 horas, perdem-se “coisas” claramente expressas no texto – pantufas, mães, filme, paciência, tempo, cachorro – e ganham-se outras apenas sugeridas – aventuras, aconchego, pantufas, mães, amigo, amiga. Isso tudo numa história rapidinha, comum, quase clichê: uma pantufa atirada à noite pela janela. Eu quis falar das voltas que o mundo dá e dos bons encontros que o mundo também nos dá. Basta prestar atenção.
Sabe-se que o Brasil tem um índice de leitura baixo. Na sua opinião, como a leitura poderia ser mais estimulada?
Leitura implica leitor e livro. Então, tudo o que puder ser feito no sentido de criar condições para esse bom (e mágico) encontro acontecer – textos atraentes com argumentos convincentes, ilustrações bonitas e inteligentes, que não apenas reproduzam o texto, programas de leitura, incremento de bibliotecas escolares, criação de bibliotecas públicas nos lugares onde não existem, incentivo a escritores, rodas de leitura e contação de histórias, promoção de livros na mídia... – será naturalmente estimulante.
Que condições asseguram (ou impedem) a fruição do texto literário?
Creio que a obrigatoriedade da leitura, qualquer tipo de cobrança sobre ela, a pressão no sentido de que se deve ler e do que se deve ler, e outras coisas dessa natureza, fatalmente impedem a fruição.
Por sua vez, a liberdade de escolhas (o que ler, quando ler e onde), a experiência do prazer e do enriquecimento pessoal que a leitura oferece garantem e ampliam essa fruição. E, para começar, o acesso ao livro, claro.
Você vê as mudanças na literatura infanto-juvenil nos últimos anos no Brasil?
Não acompanho tão de perto esse mercado, porque não dá tempo, mas, no geral, creio que houve mudanças extremamente positivas – em muitos casos, a qualidade do livro infantil, em todos os sentidos (texto, ilustrações, edição, impressão), já atinge a excelência – e negativas – pelo fato de o grande comprador desse segmento ser, cada vez mais, o governo, através de diferentes programas de leitura, muitos editores acabam privilegiando a quantidade de lançamentos, pois quanto mais títulos inscreverem nos programas, mais chances têm de “entrar”. Isso gera equívocos, e quem acaba perdendo é o público – e o livro, naturalmente.
Qual o significado do Prêmio Barco a Vapor para você?
Para qualquer pessoa – e para mim não é diferente – um prêmio importante como o Barco a Vapor representa, sem dúvida, um marco, uma fronteira a partir da qual o compromisso e a responsabilidade que temos para com o nosso ofício (no meu caso, o de escritora “recém-descoberta” e também o de ilustradora) crescem muito, se ampliam em direções novas e, ainda no meu caso, inexploradas. Representa um forte estímulo pra continuar escrevendo, além da enorme alegria de ter um trabalho reconhecido por quem tem um compromisso de fé com a leitura e publicado por uma editora da envergadura da SM. Sei que entrei para um time de craques.
Estão abertas as inscrições para o 6º Prêmio Barco a Vapor de Literatura Infantil e Juvenil. Os interessados podem apresentar originais inéditos que se encaixem em uma das quatro séries da coleção Barco a Vapor: leitor iniciante (6 e 7 anos), em processo (8 e 9 anos), fluente (10 e 11 anos) e crítico (12 e 13 anos). O período de inscrição vai até o dia 19 de fevereiro de 2010. O regulamento completo está disponível no site de Edições SM: www.edicoessm.com.br
O Grupo SM é um grupo de Educação de referência na Espanha e na América Latina liderado pela Fundação SM. Responsabilidade social, inovação e proximidade à escola pautam o trabalho da entidade, que tem como objetivo promover o desenvolvimento humano e a transformação social para a construção de uma sociedade mais competente, crítica e justa. No Brasil, onde atua desde 2004, o Grupo SM oferece um catálogo de serviços educacionais e livros didáticos e de literatura infantil e juvenil amplo e diversificado elaborado por Edições SM, e integrado a um projeto que inclui estímulo à formação continuada e à valorização de professores, incentivo à reflexão sobre educação, apoio a projetos socioculturais de diversas instituições, e fomento à leitura e à produção literária.
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