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Soprano internacional elogia a variedade da música brasileira
Oct 26, 2010
“A primeira vez que ouvi as Bachianas Brasileiras No. 5, de Villa-Lobos, eu quase caí da cadeira”, afirma a soprano franco-russa Julia Kogan. A renomada artista, que já cantou em lugares como o Carnegie Hall, o Alcazar Palace, em Sevilha, e o Kremlin, é vencedora do XI Prêmio Art Supply, condecoração brasileira concedida pelo Instituto Musical Beethoven (IMB) a jovens talentos da música. Na entrevista abaixo, Julia fala sobre a importância de iniciativas como o Art Supply, de seu interesse pela música brasileira e de sua carreira como cantora.
Julia apresentou ao Art Supply um projeto musical inédito que resultou na gravação do CD Romances and Lieder – melodias de Rachmaninoff, Schubert e Mozart, em parceria com o pianista francês Christopher Glynn. Ela apresentará o repertório em São Paulo no dia 10 de novembro, no Theatro São Pedro. Na ocasião, será acompanhada pelo pianista Alcebiade Minel. Para participar do prêmio e colaborar com programas sociais no Brasil, os três artistas abriram mão de seus cachês.
A renda obtida com a venda dos CDs é totalmente revertida para iniciativas sociais, todas elas voltadas à musicalização. Em 2010, as entidades beneficiadas pelo Art Supply foram a Casa do Menor de Santo Amaro Grossarl, a Aprocima (Associação Promocional do Coração Imaculado de Maria), a Derdic (Divisão de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação) e o Projeto Trilha Música, na cidade de Pirapora do Bom Jesus. São também desenvolvidas atividades musicoterápicas em hospitais em parceria com a FMU – Musicoterapia.
- Julia, pode nos contar como você aprendeu música? Qual foi seu primeiro contato com música em geral e com a música clássica em particular?
Eu diria que virtualmente todas as crianças são atraídas pela música, e que ter acesso à educação musical é um dos presentes mais valiosos que uma pessoa pode receber. O trabalho do Instituto Musical Beethoven é algo que não tem preço, porque há poucas outras coisas tão enriquecedoras para uma criança, individualmente, e para a sociedade como um todo. A música traz um colorido para tudo – pensamentos, sentimentos, experiências... A vida é infinitamente mais pobre sem isso. No meu caso, eu sou tão ligada à música que minhas lembranças mais antigas estão relacionadas a algumas canções da infância.
Minha mãe diz que eu cantava antes mesmo de falar, mas meu primeiro contato real com a música clássica foi através de desenhos antigos! Minha primeira exposição a Brahms, Liszt, Chopin, Wagner, toda ela veio de filmes de desenho animado: Pernalonga, Tom e Jerry etc. Na verdade, não interessa qual é a fonte, contanto que as crianças possam ouvir essa música. Eu comecei a ter aulas de piano aos 10 anos, em seguida de violino, e comecei a me apresentar em produções de teatro musical aos 12.
- No início de seus estudos, você imaginava que poderia tornar-se uma soprano internacionalmente reconhecida?
Quando eu comecei a estudar canto clássico, a única maneira de não ser completamente oprimida pela diferença de qualidade entre os barulhos que eu fazia e os sons das grandes cantoras era me focar nos pequenos passos que eu podia dar a cada dia para melhorar. Eu pensava, então, se teria a paciência necessária para essa longa jornada. Acontece que minha teimosia acabou sendo boa para alguma coisa!
Na verdade, eu simplesmente amo esse processo de aprender a cantar, tanto que eu continuo lutando para melhorar. Nunca imaginei que eu chegaria tão longe nisso. Cantar nunca esteve relacionado a atingir qualquer status, para mim, mas sim ao meu amor pela música e ao meu desejo de estar sempre rodeada por ela e, ultimamente, partilhando-a com os outros. Eu realmente duvido que poderia amar o que eu faço mais do que isso.
- Você se apresentou com grandes orquestras em renomados teatros como o Carnegie Hall. Pode descrever como se sente vivendo momentos tão especiais?
É o paraíso! Mas eu sinto que devo acrescentar algo muito importante: essa não é a maior experiência humana, como bem sabem as pessoas que têm filhos ou que já se apaixonaram intensamente. Os momentos mais especiais no palco são aqueles nos quais eu consigo sentir uma intensa conexão com outros músicos e com o público, que faz surgir algo mágico, vivenciado em conjunto. É uma experiência muito profunda, é tudo conexão.
- Na ópera, há uma tendência de que as características físicas e o estilo cênico sejam compatíveis com o personagem. Você acha que isso é importante? Ou a voz é o mais importante?
A recente tendência é de que haja mais credibilidade na atuação e nas características físicas. Isso é extremamente novo e só se tornou possível porque atualmente há um número maior de grandes cantores no mundo do que havia em épocas anteriores. Eu tive como formação o teatro musical, como disse, então a atuação é tão importante para mim quanto os aspectos vocais da performance. Eu prefiro ver uma perfomance tocante e crível do que uma vocalmente brilhante, mas vazia em outros aspectos.
Entretanto, há exceções para tudo. Eu sempre achei Pavarotti, que não era um ator treinado, muito tocante e até emocionante. Talvez os ingredientes principais sejam a humildade em servir a arte e a sinceridade. Isso é mais importante para dar vida a um personagem do que fazer qualquer coisa particularmente sofisticada. É, em grande parte, uma questão de gosto e instinto.
- Você acredita que tem um estilo próprio de cantar? Como o definiria?
Ah, sim, com certeza. Eu demorei um tempo incrivelmente longo para me sentir inteiramente eu na minha música. Uma profunda timidez estava em meu caminho. Estava ouvindo uma soprano famosa cantar, outro dia, e me maravilhei em perceber o quanto essa experiência pode ser diferente para vários artistas. No caso dela, ela tinha um tremendo senso de si enquanto cantava, e a convicção de que o público tinha a sorte de testemunhá-la em ação. Para mim, a experiência é como me fundir inteiramente. O som vem do meu eu mais profundo e é uma experiência inteiramente pessoal e íntima, mas eu não estou interessada em ter a noção de minha performance, como tal. Estou lá apenas como uma ferramenta que canaliza a intenção do compositor para o público. É um paradoxo. Eu me torno mais eu quando me perco inteiramente naquele momento. Se eu penso em mim, como artista, enquanto canto, a mágica se perde. Tecnicamente, eu adoto uma técnica específica, a antiga escola do Bel canto [linha tradicional da ópera italiana], que eu prefiro dentre todas as demais.
- Como você escolheu o repertório que compõe o CD Romances and Lieder?
Bem, eu acho que devo dizer que são algumas de minhas peças favoritas. Algumas delas estiveram cozinhando em minha cabeça desde meus tempos de estudo, e foi uma alegria voltar a elas depois de todos esses anos.
- Quais são os pontos altos desse álbum?
É difícil dizer, porque gosto muito das peças. Destaco, entre as favoritas, Spring Waters, Lilacs, The answer e How fair this spot, de Rachmaninoff; Als Luise e Das Veilchen, de Mozart, e Heidenröslein, Ganymed, Von Ida, Du Bist die Ruh e Erlkönig, de Schubert.
- Dos compositores escolhidos para este álbum, qual o mais impressionante para você: Rachmaninoff, Mozart ou Schubert?
Eles são tão diferentes! Rachmaninoff é luxuoso e romântico, Mozart é esparso e delicado, e Schubert é tão poderoso, que cada um desses adjetivos pode descrevê-los em variados aspectos. Eles são todos impressionantes à sua maneira.
- Há algo em comum no trabalho desses compositores?
O ponto em comum é mais poético do que musical. Essas canções são adaptações de poemas românticos. Em várias delas, a natureza, especialmente as flores, utilizadas de maneira alegórica, são o ponto de partida. Mas eu quis reunir exemplos da tradição artística musical russa e alemã, que são bastante diferentes.
- Você já havia trabalhado com o pianista Christopher Glynn antes? Como desenvolveram essa parceria de sucesso?
Eu conheci Christopher em Londres, em uma audição com pianistas para esse projeto. Eu queria encontrar um pianista especialista no repertório de canções. Minhas outras gravações eram com orquestra, estão este seria meu primeiro álbum de canções com acompanhamento de piano. Eu confesso que isso me incomodou um pouco... Eu nunca tinha gostando tanto de trabalhar com um pianista antes. A música é muito subjetiva e há muitas maneiras de interpretar uma canção. Mas houve uma afinidade natural entre nós desde o começo, o que transformou o trabalho deste álbum em algo fácil e delicioso para mim. Eu espero que possamos continuar trabalhando juntos por muitos anos vindouros.
- Quanto tempo levou desde o primeiro rascunho do repertório até o lançamento do CD?
Foi um ano.
- Como você se sentiu sabendo que seu trabalho estaria contribuindo com diversos projetos sociais no Brasil? E por que escolheu participar?
Eu não poderia estar mais feliz com isso. Estou absolutamente convencida de que a música pode e deve ser utilizada de forma criativa para tocar pessoas. Uma de minhas maiores frustrações é a divisão entre o público que tradicionalmente vai a concertos e o restante do mundo, para quem a musica clássica é um grande mistério e estranhamento, assombrosa e intimidadora. Ela não deveria ser nenhuma dessas coisas. Quando bem feita, a música clássica pode ser um grande entretenimento! Eu posso provar!
- Há outros trabalhos seus que podem interessar ao público brasileiro?
Para quem gosta de Música Barroca, eu tenho um álbum de árias de Vivaldi, chamado "Vivaldi Fioritura". Há também uma gravação ao vivo das nove Árias Alemãs de Händel disponíveis no meu site. O próximo álbum, "Troïka", será lançado logo; ele traz o trabalho de oito compositores contemporâneos e contém nove peças escritas para mim e orquestra de câmara, baseadas em textos multilinguísticos de grandes poetas russos (Brodsky, Nabokov, Pushkin, Lermontov, Tiutchev), que escreveram e traduziram seus próprios trabalhos em outras línguas.
- Embora você tenha uma carreira de sucesso na música clássica, há espaço para a música popular no seu tempo de lazer?
Eu adoro música popular de muitos gêneros, e não acho que eu poderia sobreviver sem rock’n’roll. Passei grande parte do dia, ontem, ouvindo Metallica e AC/DC, enquanto trabalhava na organização de minhas partituras. Meu irmão mais novo toca guitarra e muito do que eu gosto no heavy metal conheci por meio dele. A música está relacionada à criatividade e à experimentação de uma atmosfera única e não a crenças dogmáticas na superioridade de um estilo sobre o outro. A música clássica, contudo, é uma tradição riquíssima por causa da estonteante variedade, e de sua longa história, complexidade e profundidade.
- Você conhece a música brasileira: a popular e os principais compositores eruditos?
A não ser que eu esteja enganada, o Brasil possui uma das mais interessantes tradições musicais do mundo. A primeira vez que ouvi as Bachianas Brasileiras No. 5, de Villa-Lobos, eu quase caí da cadeira. Eu nem consigo dizer o quanto é divertido cantar uma peça tão sensual. Eu tenho uma admiração especial pela música clássica que utiliza elementos folclóricos, ela possui um sabor e uma textura tão ricos! E a música brasileira é repleta disso. E, claro, eu adoro Samba e Bossa Nova. Eu pretendo passar meu tempo no Brasil completamente imersa na música e na cultura brasileiras. Alguma sugestão? Mal posso esperar...
- Você vê em países em desenvolvimento, como o Brasil, um ambiente adequado para o surgimento de músicos de sucesso?
Eu nasci na Ucrânia Soviética, cresci nos Estados Unidos antes de me mudar para Londres, e então França, onde moro agora. Pela minha experiência, a música, e a arte em geral, floresce nos lugares nos quais as pessoas têm uma necessidade emocional dela. Países em desenvolvimento são frequentemente o berço das criações mais excitantes porque há uma necessidade real de autoexpressão. O Brasil é um óbvio exemplo disso. Eu fico impressionada com a quantidade de estilos musicais que emergiram apenas do Brasil! Recentemente, tive o prazer de trabalhar com alguns músicos brasileiros – o genial cravista Nicolau Figueiredo, com quem estive durante o projeto de Händel que mencionei anteriormente, o maravilhoso jovem pianista Luiz Gustavo Carvalho e o aclamado flautista James Strauss. Com a ajuda de organizações como o Instituto Musical Beethoven, mais e mais jovens de todas as camadas da sociedade têm a oportunidade participar e contribuir com a comunidade internacional.
Mais informações e áudios podem ser encontrados no site www.JuliaKogan.com
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O Instituto Musical Beethoven (IMB) é uma entidade filantrópica fundada em 2000 por empresários e educadores com o objetivo de busca da sustentabilidade (social , econômica e ambiental) através da arte, da música e do conhecimento. Para isso, promove ações que vão desde a premiação de talentos musicais até a edição de livros de arte, crônicas etc. e o desenvolvimento de trabalhos com artistas voluntários junto a entidades de atuação social, de educação ambiental e cultural. Graças a essa dedicação, a instituição já ganhou diversos prêmios: o Prêmio Cidadania do Anuário Telecom nas edições de 2005 e 2007, o Premio Mauro Spinelli da Derdic e também o prêmio de ação comunitária da comemoração dos 60 anos da PUC- SP. Seu compromisso, e o de seus colaboradores, é promover uma filantropia inovadora, transformando a caridade individualista em empreendedorismo social, de modo a formar uma aliança para a criação de uma filantropia estratégica que apresente resultados mensuráveis, possibilitando uma boa interação entre doadores e receptores.
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Assessoria de imprensa e apoiadora do Prêmio Art Supply:
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