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OPINIÃO | A inclusão social às avessas
Jun 18, 2006
Dentre os portadores de necessidades especiais, os afetados por síndromes, como o autismo e outras tantas de caráter mental, são duplamente excluídos da sociedade. Wilma Motta discute, neste artigo, o que pode ser feito diante desse grave problema social.
Wilma Motta
O tema da inclusão social perpassa a rotina do universo dos portadores de necessidades especiais nas últimas décadas. Muito se tem discutido sobre as formas possíveis de inclusão deste grupo social nos equipamentos sociais, tais como escola, trabalho e lazer. Porém, faz-se necessário que esta discussão seja dimensionada, a partir das diferentes características que apresentam. Caso contrário corre-se o risco de provocar discussões desvinculadas de qualquer conteúdo fundamentado.
Para pensar a realidade de vida destas pessoas requer que se tenha, fundamentalmente, respeito às diferentes capacidades do ser humano. Por mais óbvio que isto possa parecer, observa-se que a escassez do exercício cotidiano desta atitude evidencia o quanto ainda é difícil que se tenha a compreensão de que somos todos diferentes uns dos outros!
Dentre as diversas necessidades especiais que se apresentam, salta aos olhos o autismo pela característica existencial que seus portadores têm em comum, qual seja a extrema dificuldade de estabelecer relações afetivas e todas as suas conseqüências. Este comportamento acaba por gerar a impossibilidade de buscar no mundo aquilo de que necessitam. É preciso que exista um outro que faça isso por eles e que, geralmente, é a sua família quem vai desempenhar este papel.
Segundo a Associação Americana de Autismo, a ocorrência do autismo é de vinte casos para cada 10 mil pessoas nascidas. Há maior incidência na população masculina. Dentre as características que apresentam, evitam olhar nos olhos e não gostam de abraços, preferindo ficar sozinhos. Resistem às mudanças e repetem continuamente certos atos e rituais. Não sentem dor e não têm noção de perigo. Podem desenvolver comportamentos de auto e de hetero agressividade. Como há muita dúvida entre os próprios médicos e cientistas sobre as causas desta que é uma das mais graves desordens psíquicas, o seu diagnóstico não é simples. Mas há uma certeza quanto ao prognóstico: os sintomas geralmente persistem ao longo da vida toda. Não há cura.
Também não são afetados da mesma maneira: 15% conseguem ter vida considerada normal pela sociedade. Em seu grau mais leve, chamado de síndrome de Asperger, há desde crianças mudas a gênios (Mozart seria um deles). No entanto, 25% precisam viver sempre com os pais, com desenvolvimento parcial; e 60%, por vários fatores, não conseguem obter desenvolvimento satisfatório: sua dependência é total (vide www.biodanzasp.com.br/autistas.htm).
A família de um autista, além das dificuldades decorrentes de uma convivência complexa e do grande desgaste emocional, enfrenta problemas financeiros com a necessidade de utilização contínua de medicamentos para controle do comportamento e das convulsões. Medicamentos que são caros (por volta de R$ 200 a R$ 500 por mês), como são caros os tratamentos que podem custar mais de R$ 5 mil por mês. Psicoterapia, psiquiatria, neurologia, fonoterapia, terapia ocupacional, equoterapia, escolas especiais, dentista, terapia comportamental, musicoterapia e linguagem de sinais são alguns dos recursos terapêuticos necessários − e até mesmo essenciais − para que estas pessoas possam ter uma vida minimamente sociável. Mas, muitas vezes, estas necessidades estão distantes da renda familiar. Cabe mencionar ainda as residências assistidas, lugares de moradia que oferecem estas e outras formas de terapia e que estão ao alcance apenas de uma minoria.
A questão pode ser observada de vários ângulos. Lutar para que as instituições públicas de saúde estejam melhores capacitadas para diagnosticar e cuidar precocemente dos autistas é mais do que um projeto, uma obrigação cívica. E é preciso informar melhor a sociedade sobre o autismo e seus sintomas. Sabe-se que o prognóstico está fortemente associado ao quanto de linguagem a criança tem a capacidade de desenvolver. A comunicação é, portanto, o instrumento fundamental que permite ao ser humano sair de um estado de natureza e ingressar no universo da cultura.
Mas também se faz necessário pensar nas instituições que já arduamente cuidam dos autistas. E aqui há dois pontos importantes a serem abordados e que são convergentes. Trata-se da importância da implantação de programas de geração de renda para as instituições, com o objetivo de proporcionar sua auto-sustentação, e a interlocução de setores econômicos com estas instituições, no intuito de estabelecer parcerias.
Uma parcela dos autistas, quando estimulados adequadamente, pode vir a desenvolver aptidões em atividades rentáveis. A caprinovinocultura, por exemplo, oferece a oportunidade para estes autistas de trabalhar com manejo dos animais, ordenha e fabricação de produtos (leite, queijo, doce, etc). No caso dos ovinos, eles poderiam trabalhar na produção de carne e lã. Aqui, há ainda a vantagem terapêutica adicional do contato direto com os animais em ambientes naturais. E, junto ao resgate da cidadania, há a possibilidade de auferir uma renda que poderá beneficiar não só estes autistas, mas também os que hoje são totalmente dependentes de suas famílias, as quais não dispõem de condições financeiras para custear seus tratamentos.
Este é um exemplo. Outros podem surgir na interlocução entre setores econômicos e instituições especializadas no tratamento com autistas. Para isso, é necessário que se promova uma convergência de interesse, pois é no trabalho conjunto do poder público, iniciativa privada e Terceiro Setor que a questão do autista pode ganhar novas e criativas dimensões.
A inclusão social é necessária porque todos têm o direito de pertencer à sociedade na qual vivem. Mas é preciso um pouco de cautela quando se pensa em política de inclusão social, pois é temerário acreditar que uma mesma alternativa possa ser benéfica para grupos com diferentes demandas. Para que não se pasteurize as especificidades, importa considerar que tratar as diferenças naquilo que faz delas sua identidade não significa, necessariamente, a sua discriminação e sim o respeito às condições particulares de ser de cada um.
Wilma Motta foi presidente do Secretariado Estadual e vice-presidente Nacional do PSDB-Mulher. Atualmente, é membro da Executiva Nacional do partido, onde integra a Comissão de Ética, e é vice-presidente do Instituto Sérgio Motta.
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