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A informação nos meios tecnológicos e mediáticos pode servir à democracia?
Jan 17, 2006
Este trabalho propõe questionamentos e criticidade no que tange as situações relacionadas à produção e circulação de informações no cyberspace como lógica de promoção social da dem
Grande amplitude de discussão acerca de questões sobre geração, uso e acesso à informação pode ser observada. Entretanto, por privilegiarmos o debate sobre a problemática da tecnologia e suas implicações na cultura, a proposta aqui é a de apresentar um posicinamento crítico quanto ao que se tornou lugar comum: a produção e a circulação da informação no cyberspace como lógica de promoção social da democracia (inserção social, participação, discussão pública etc.).
INFORMAÇÃO E DEMOCRACIA NA ERA DO CYBERSPACE
Crítica do modus operandi da produção e circulação da informação na cibercultura
Iniciemos, para melhor contextualização acerca da cibercultura [1], traçando a correlação entre controle e poder que, dado à sua coexistência, implica, de certa forma, controle de território. Aquele que tem como controlar o seu próprio território tem como, a princípio, municiar-se para evitar ataques ou quaisquer disputas que possam estar envolvidas na possível perda de seu status (territorial), ora adquirido. Isto não significa, sobremaneira, que este território possa tão somente significar espaço terrestre, marítimo, aéreo, mas também de ondas eletromagnéticas (cyberspace). O que favorece e possibilita a realização deste controle (tanto próprio como de seu oponente) é o acesso às informações. Desta mesma forma aquele que tem não somente como mapear informações de seu território, mas também tem como circunstanciar as de seu inimigo teria como, inclusive, atacá-lo. Observemos, então, que não há forma de dissociar informação de controle e poder. Ora, se informação pode significar poder (poder de conquista e também de manutenção, simplificando uma situação de vantagem comparativa), envolvemo-nos em um processo que pode ser identificado como economia da informação que se faz presente como economia da riqueza.
Incluamos neste contexto o vetor de velocidade para que seja possível tratarmos de uma forma diferenciada esta mesma questão. Se o acesso à informação é hoje feita à velocidade da velocidade da luz (assim o é no contexto cibercultural), é esta mesma velocidade que determina a riqueza e, de qualquer forma, o poder [2]. Sendo assim, o vetor que consubstancia a evolução da humanidade não se põe mais como o poder capitalista (aquele identificado como produção e apropriação de bens materiais), mas de velocidade. Isso não só propõe como também favorece-nos um outro entendimento sobre a história. A análise que antes era feita pela ótica do capitalismo e, portanto, dos meios de produção e dos processos produtivos, agora é feita à luz da velocidade. Em outras palavras: as conquistas se fazem pela rapidez, pela velocidade (tendo papel definitivo o tempo de realização da ação) na forma de abordar o inimigo que, pelo fato de ser surpreendido, é tomado pelo assalto e feito refém. A conclusão a que Virilio (2000, p. 17) sabiamente chega (ao apontar que “... a velocidade é um meio de se fazer riqueza”) é a de que, na sociedade cibercultural, a riqueza é inseparável da velocidade, e, se assim o percebermos, velocidade se põe como poder.
Se velocidade e informação é que permitem o controle, o assalto e a subjugação do inimigo, o que rege, de fato o capitalismo são os processos comunicacionais. Ora, isto posto, devemos entender que poder e velocidade e, por conseguinte, informação e velocidade ditam o controle, antes relativizado [pelas formas de transporte ora existentes (o próprio corpo, cavalo, navio, carro), o que permitiam, de alguma forma, uma partilha eqüitativa], e agora absoluto [(temos a onipresença, onividência e onipotência pela ocorrência das ondas eletromagnéticas) não se faz mais possível a democracia, a promoção e inserção social, a participação, a discussão política etc., mas a violência e a opressão]. A forma de poder contemporânea, a cibercultural, é a do poder dromológico (ou o poder da corrida de acordo com Virilio, 2000, p. 17): a vitória é dada àquele que tem o domínio informacional dromocrático. Constitui-se, portanto, uma sociedade dromocrática [3] (por dizer respeito à classe social na qual pressupõe-se a supremacia da indexação, pela tecnologia, de todas as práticas sociais, de trabalho, do lazer, das atividades e setores) na qual o controle se dá tanto pelos meios de transporte como pelos meios de transmissão e comunicação [4], tanto para que seja assegurado o status quo desta sociedade como para a proteção nacional de determinado reinado, governo, império; agora a produção e a circulação são também de mercadorias simbólicas (informações e imagens), representativos ou não de referentes concretos (TRIVINHO, 2004, p. 5).
Adorno, em suas obras, já questionava que algo de irracional havia no fato de ter um estabelecimento de identificação das pessoas com os objetos tecnológicos (feitos para promover uma vida humana digna), o que fez as pessoas tornarem-se dependentes, perdendo, com a adoção e “subordinação” não percebida à tecnologia, a alteridade, a autonomia, tornando-se passivo na apropriação do aparato tecnológico. Pelo seu posicionamento crítico quanto à tendência imanente da implantação generalizada da tecnologia ao desenvolvimento da civilização, propunha que no caso de aceitá-la o homem estava sendo contemporâneo de seu tempo e negá-la significava o banimento do mercado de trabalho e da vida social. Sendo assim o convívio e a sobrevivência do ente na sociedade dromocrática, movida pela aceleração das informações é um processo transcendente à individualidade de cada sujeito pois envolve tanto os elementos da produção como a prescrição do uso (PUCCI, 2003, p. 13-14). Da mesma forma outros autores comungam desta ótica. Virilio (2000, p. 12) compartilha deste ponto de vista de uniformidade da humanidade pelo estabelecimento de redes de relações efetivadas pelas novas tecnologias de informação. Para Marcuse (apud PUCCI, op cit, p. 12) na era da máquina a racionalidade e os padrões de individualidade dos homens dissolveram-se por submeterem-se aos critérios burocráticos organizativos. Já para Horkheimer (apud PUCCI, op cit, p. 10) há a exposição da fragilidade da autonomia do homem e também da sua capacidade de opor resistência ao mecanismo de manipulação das massas pelo resultado de aplicação de tecnologias.
Os meios de comunicação e o uso que se faz da informação podem servir, sob esta ótica que visamos traçar, tanto ao desenvolvimento cientifico, como à exploração do outro (embora o aspecto iluminista moderno prevaleça para que isso seja definido, defendido e ‘vendido’ como necessário; a colocação de aspectos teleológicos e utópicos permanecem ativos e, por incrível que pareça, em muitos casos, se põe como convincentes e inquestionáveis) e à guerra [5]. Informação está, desta forma, no centro tanto do foro científico como do militar. Para Trivinho (2002, p. 258) a velocidade impõe-se como estrutura organizacional da existência social, cultural, política e econômica e exprime a sua concordância com Virilio que apresenta o fato de a tendência bélica estar na origem da vida humana estruturada em cidade. Para Virilio (2000, p. 37-38) também podemos verificar não só a militarização das ciências mas a militarização da informação e do conhecimento e isto coloca-nos diante de um fenômeno de totalitarismo como nunca existiu. Lembremo-nos, como situação en passant para uma outra comparação do modus operandi da sociedade contemporânea e o belicismo, do ambiente de trabalho e correlacionemo-lo ao ambiente de guerra. Da mesma forma que o mandante (em ambas as situações) está num campo sedentário, os operários se colocam em posição nômade. As ações são militarizadas, padronizadas, prescritíveis. O ambiente de “ataque” e “defesa” para a sobrevivência se coloca como premente e fundamental. Para que haja a sobrevivência nestes dois “campos de batalha” há a necessidade de provisão de equipamento tecnológico o que prevê que aquele que não o tem seja superado por aquele outro que o possui e o “domina”. Estes dois tipos de operários (o de guerra e o da fábrica) agem e tornam-se subjugados pela velocidade. Tanto na situação de guerra militar como naquele de processo produtivo (o fabrico) há o movimento para a revolução: a revolução militarizada. Isso faz com que seja vivido o processo dromocrático da existência humana, o que para Virilio, não se põe como regime e tampouco sistema. Agora a velocidade faz a organização social pois é processo relacionado a classes e a grupos e deles não se separa.
Voltemos à questão da comunicação. Observe-se que a comunicação (e a informação de certo modo) é então um fenômeno totalitário que exige, desta vez, o emocional e não a vida física como em outros ‘totalitarismos’. A própria cultura é o modus operandi da forma dinâmica da comunicação. De acordo com Vattimo (1991, p. 14) a própria lógica acerca do uso da informação requer a continua dilatação da comunicação, exigindo que “tudo” se torne seu objeto: tudo tem que ser comunicável para que não se deixe nenhum espaço vazio (o que implica, desta forma, não haver mais o objetivo sine quanon do “comunicar”, mas agora: entreter. Melhor ainda seria adotar o termo tautismo [6] para definir a lógica da forma da cultura na era da comunicação). O totalitarismo comunicacional que se põe, como tratado por Sfez, é o de perda da relação com o real, e por isso, não percebido. A situação vivida (a de uma sociedade de controle, de forma tácita) é a de que tanto a comunicação como os meios de comunicação olham para si mesmos, tendo autonomia do aparato comunicacional para além das possibilidades de controle. A comunicação não se volta para o benefício informal da democracia, para a transparencialização do mundo, mas como dissimulação do real em prol de uma fábula, como diria Nietzsche, citado por Vattimo (1991, p. 14), para quem realidade agora é o resultado de imagens, interpretações, reconstruções distribuídas pelos media. Como se vê totalitarismo e democracia não convergem. O belicismo informacional totalitarista, mesmo que no simbólico e imaginário da coletividade, se põe (mesmo sendo um contra-senso pensar a totalidade na pós-modernidade, pela sua conotação de efêmero e fugaz).
Duas outras questões devem ser colocadas no intuito da criticidade sobre a produção e a circulação de informações no cyberspace: a lógica de promoção social da democracia (o paradoxo da “acessibilidade” às informações) e a obliteração do real, o presenteísmo.
O paradoxo da democratização da acessibilidade às informações no cyberspace
Atualmente verificamos que o discurso político público (sem que aqueles que assim se pronunciam tenham de fato conhecimento de seu papel crítico e social neste cenário) tem a finalidade de promover lugar para todos na sociedade cibercultural. Ora se o “lugar ao sol” já não existia no formato predecessor de sociedade não é agora que esta (a democracia) poderá ser posta em prática. Em outras palavras: o paradoxo que hoje se põe é que a Internet e o cyberspace teriam como estarem disponíveis à toda a massa populacional no anseio e no intuito de promoção social da democracia. Entretanto, pretendemos demonstrar no decorrer destas poucas linhas, o modus operandi especificamente cibercultural se põe como capital social especifico que não é dado a todos, cuja equação é complexa e que, para tal, é exigido acesso privado pleno bem como o domínio das linguagens infotecnológicas, fazendo com que características de guerra e naturalização do vigiar (invisível, curricular e até cognitivo) e do punir (na forma da exclusão) sejam colocados como processo e regime dentro do sistema cibercultural.
Conforme Trivinho (2004, p. 13), “uma nova lógica da desigualdade se estrutura, além da exclusão endêmica do capitalismo: a lógica da dromoaptidão propriamente cibercultural”. Hoje se faz necessário não somente o domínio das linguagens especificamente ciberculturais mas a competência econômica voltada às senhas infotécnicas de acesso (entenda-se capacidade de acompanhamento da lógica econômica da reciclagem estrutural - de hardware e software), a partir do domo, com competência cognitiva e prática da interatividade. Pela maneira da desigualdade estrutural apresentar-se (especificamente o gerenciamento infotécnico da existência) na sociedade cibercultural, verifica-se então uma estratificação sociodromocrática flexível, em cujo topo encontra-se a elite cibercultural dromoapta e, embaixo, a camada social dromoinapta, cujas extremidades mantêm-se estáveis e em sua zona intermediária coexistem camadas sociais escalonadas [ou para recorrer ao termo utilizado por Trivinho (2004, p. 13): há a constatação do apartheid cibertecnológico] de acordo com a dromoaptidão conquistada e reconfirmada de modo recorrente. Verifica-se aí, novamente, que o vetor de excludência se faz encontrável: não é a democracia que se é vivida, sentida, conjugando o modo de se fazer, ser e estar no mundo, mas a dromocracia. Seria possível que as políticas públicas (mais especificamente os seus agentes) promovessem (de fato e de direito) a democratização de acesso às informações e ao conhecimento para o exercício pleno da cidadania? Ora, o acesso ao conhecimento e à informação podem estar acessíveis mas também restritos, poderiam alguns responderem. Entretanto, entendemos que esta questão demonstre uma situação um tanto utópica e, de certa forma inocente, dada a) à natureza transpolítica [7] envolvida neste processo, b) à produção social de desigualdade e c) à segregação pela natureza da dromoaptidão, observáveis na era cibercultural, que desqualificam qualquer orientação neste sentido (o de que a Internet e a cibercultura estão e estariam disponíveis a todos). Melhor ainda a exposição a seguir:
Estado não se apresenta à altura da missão histórica que lhe caberia cumprir: interromper a cadeia de reprodução social-histórica da violência sociodromocrática cibercultural, mediante a geração de mecanismos macroeconômicos de distribuição socialmente eqüitativa das senhas infotécnicas de acesso para condicionar o acesso coletivo à sociossemiose plena da interatividade. A condição dromocrática da existência contém, na essência de seu conteúdo, uma necessidade compulsória insuperável de convivência e de jogo com e sob tais injunções de época. (TRIVINHO, 2004, p. 18).
A principal característica da pós-modernidade e, por conseguinte presente na cibercultura, é a crítica da idéia de unidade, bem como o de coesão e massa. Essa característica de defesa da alteridade é totalmente divergente daquela na qual se prega a existência de direitos iguais. Seria como voltar aos aspectos filosóficos predecessores aos séculos XIX e XX (nestes encontramos a crítica da idéia de história unitária), revelando o caráter ideológico destas representações. Ou, como melhor elucida Virilio (2000, p. 18), pelo fato de a velocidade absoluta estar presente nos dias de hoje, nada mais tem de correlação com a democracia “é uma tirania”, pois ainda mantêm-se elitista a própria democratização da cultura técnica. A democracia no cyberspace está, de alguma forma, disponível àqueles que são dromoaptos.
Façamos uma outra linha de raciocínio, a de que, talvez, esta idéia de elitização da cultura técnica e propriamente cibercultural, tenha relação intrínseca com a forma de se fazer e tratar a história (pela elite dominante). Expliquemos melhor: a história que se recebe do passado não é tudo o que aconteceu, mas a visão da elite, da burguesia, dos soberanos. Aqui concordamos com Vattimo (1991, p. 11): a história não se faz de imagens do passado propostas por pontos de vista supremo, globalizante, unificante, que parece ser relevante aos olhos de um certo ideal de homem, mas de pontos de vistas diversos. Ora, se os fatos não seguem um curso unitário, não existe um meio de se sustentar um metarrelato, as grandes narrativas, assim chamadas por Lyotard (VATTIMO, 1991, p. 13), voltadas para um fim, com um plano racional de melhoramento, emancipação, educação. Não haveria, portanto, uma forma na qual o acesso às informações no meio cibercultural (e também a cultura técnica), tão apregoado nas políticas públicas, seja determinante e atingível. Vimos que existe um discurso no qual se prega um valor utópico e com resquícios de metarrelatos que ainda se fazem presentes, sem que seja, de fato, identificada uma nova estrutura de poder, de política e de vivência social, propriamente cibercultural. Em suma: não há nenhum processo de identificação entre as políticas sociais e governamentais com a população e o modus operandi em vigor. O que há é, pela influência dos mass media, uma grande ilusão de que a democratização pode ser disponível a todos, pregada novamente pela elite e pelos soberanos. Então, assim, na sociedade cibercultural, a regra é a da exclusão e não a de nenhum processo inclusivo, o que, também não teria, diga-se de passagem, como apresentar-se como garantia de uma posição efetiva nesta sociedade dromocrática cibercultural dado a vulnerabilidade quanto ao domínio das senhas infotecnológicas de acesso ao cyberspace.
Virilio também perpassa, na obra Cibermundo: a política do pior, a crítica à visão de Saint-Simon na qual a informática seria um meio desenvolver o intercâmbio e a comunicação entre os cidadãos, comparando esta situação com a de outrora, na qual, até mesmo o caminho de ferro fez com que houvesse as classes de velocidade, onde “os mais ricos utilizavam o expresso enquanto isso era inacessível aos mais pobres” (VIRILIO, 2000, p. 20). A questão continua: o cyberspace poderia servir à democracia? Há o domínio das senhas infotecnológicas (aquelas já expostas em momento anterior) que permitiram, de certa forma, a política inclusiva na sociedade cibercultural? Para Trivinho (2002, p. 266) a questão do gerenciamento infotécnico da existência ainda não teve a dissecação teórica necessária. A dromocracia cibercultural exige que a competência e a dromoaptidão estejam presentes tanto na esfera do labor como no domo, tanto no modo de produção como no lazer. Isso, ainda de acordo com Trivinho, fez com que houvesse uma recontextualização, pelo vetor da velocidade, acerca do poder e da riqueza:
Na cibercultura, poder é manter estável ou ascendente a dromoaptidão, sob o pressuposto de que todo e qualquer desempenho é sinônimo de conquista, de sucesso. Riqueza é dominar os elementos e novos códigos de base desse tipo de poder dromocrático, em suma, é possuir não tanto recursos materiais em seu modelo ‘pregresso’, mas antes fatores simbólicos e concretos próprios de uma cultura técnica credenciada. (TRIVINHO, 2002, p. 267)
A obliteração do real (a reinvenção do espaço), o presenteísmo (a reinvenção do tempo)
Com o advento das novas tecnologias de comunicação e informação impactos quanto ao mundo real ainda não foram tão notados pela grande massa populacional, entretanto, cabe-nos levantar alguns pontos que se fazem percebidos. O problema que pretendemos demonstrar é o estarmos num continuum presenteísmo e na modificação constante da noção de espaço, tempo, valores, versões de fatos etc., próprios da cibercultura.
Vivemos em um mundo que ainda não aprendemos a olhar. Isto pelo fato de que ainda não foi percebida a dessemelhança quanto à percepção do outro, sobre a distinção, sobre a categoria da alteridade. Isto por que a visão de mundo proveniente da percepção pelo prisma da velocidade é outra. A visão de mundo (ou a percepção de mundo) é afetada pela velocidade ou, para citar Virilio: “a velocidade faz com que vejamos o mundo de outro modo” (VIRILIO, 2000, p. 22). Pretendemos demonstrar como pode ser percebido o mundo, este não fazendo parte do mundo real, vivido, presenciado (aqui não entraremos no mérito da questão que mesmo esse mundo fazendo parte do dia-a-dia e da proximidade, entendemos que não seja proximamente palpável, mas percebido na subjetividade, no imaginável), mas sendo parte do longínquo, de alhures, da estética do desaparecimento. Nietzsche apresentou a afirmação: “amai o vosso longínquo como a vós mesmos”. Cabe-nos recorrer à análise dada por Virilio, representativa da situação em que vivemos na atualidade, na qual há a obliteração do mundo real: “amar o longínquo sim, mas não em detrimento do próximo” (VIRILIO, 2000, 46).
Entendemos e comungamos da constatação de Virilio (2000, p. 46) quanto à dicotomia na forma de tratamento pessoal com o longínquo e com o próximo (este que faz parte do nosso convívio pessoal e não mediado pelas cibertecnologias, mas captado pelos órgãos sensoriais). O convívio com o ente próximo [com o qual conversamos, olhamos nos olhos, tocamos, sentimos e, por isso mesmo, toca-nos e se deixa senti-lo (cognoscível, portanto, à sensorialidade)], é diferente daquele mediado tecnologicamente no qual a pessoa não está ali de fato, de corpo presente, mesmo embora se fazendo estar presente, em tempo real, mas desta vez em nosso imaginário, podendo ser, assim mesmo, identificada como sendo ela e não outra (caso haja convivialidade para tanto), tendo a possibilidade de (exclusivamente na situação com mediação cibertecnológica) desaparecer, fugir e maquiar a situação que ora lhe é apresentada. Se há a necessidade de colaboração, participação e comunhão o aparato pode lhe permitir isso. Porém, se a situação que se lhe é apresentada não agrada, mas pelo contrário, o incomoda, há a opção do desaparecimento: o simples desconectar-se (o simples desligar o contato que havia sido estabelecido tecnologicamente, seja telefone, chat com webcam ou qualquer outra forma de comunicação de ordem tecnológica, na relação de um para um ou um para muitos). Agora há a opção do reaparecimento, por circunstância do desaparecimento, para o outro, voltando, então, ao aparecimento em seu local de origem, o seu local do estar fisicamente.
Duas colocações entendemos que sejam de fundamental importância. A primeira é que os aparatos cibertecnológicos permitem, atualmente (embora somente para a camada social dromoapta), a visão e a audição do outro, e estudos estão ocorrendo no sentido de que meios sejam criados para que também seja possível o tato e o olfato. A segunda colocação e que não pode ser esquecida é o fato de que a mediação tecnológica para as pessoas portadoras de alguma deficiência, seja ela física, motora, auditiva ou visual, agora podem ter a vivência que antes não lhe era permitida. Lembremo-nos dos casos em que os aparatos tecnológicos contribuem para a questão de uma melhora na qualidade de vida e de comunicação nos casos em que houve diminuição ou total perda das faculdades de comunicação nos casos de acidente ou por doenças degenerativas (Christopher Reeve e Stephen Hawking). Contudo, o ponto que vimos como culminante para a discussão é o de que em situações de comunicação a distancia, portanto mediadas tecnologicamente, há a segregação da materialidade, há o morrer culturalmente para que possa migrar, viajar, ir sem que de fato se vá, sem que haja o deslocamento físico do corpo. Esta é a regra inextricável na cibercultura: para que haja a comunicação há a negação do corpo físico. Verificamos então que expõem-se aqui dois tipos de morte (ambas simbólicas): uma do corpo próprio em prol do corpo espectral; e outra do corpo social pela dromoinaptidão propriamente cibercultural.
A questão da perda do corpo próprio tem relação estrita com o mundo próprio: agora o mundo foi reinventado. Se este [o corpo] não está presente, o mundo também não tem como estar envolvido nesta situação. Há um relacionamento intrínseco entre um corpo e outro e também situado no e com o mundo. Virilio, para demonstrar esta situação propõe: “todo o problema da realidade virtual, é essencialmente de negar o hic et nunc, de negar o ‘aqui’, em proveito do ‘agora’. Aqui já não existe, tudo é agora” (VIRILIO, 2000, p. 48). Hoje a proximidade e intimidade com aquele que está alhures é maior do que com aquele que está ao seu lado: há a preferência pelo corpo espectral do que pelo corpo social do outro. Lembremo-nos de que há cerca de 20 a 30 anos atrás, pelo fato de ainda não estar ocorrendo a proliferação e difusão dos meios e aparatos tecnológicos de comunicação da forma que o são hoje, a comunicação no tête-à-tête se fazia de forma mais eloqüente. Preferia-se ir à casa do outro, ao invés de simplesmente telefonar-lhe. Preferia-se a conversa de final de tarde em cadeiras nas calçadas para saber as notícias do bairro e da cidade ao invés de assisti-las pela televisão ou ouvi-las pelo rádio. Preferia-se levantar de seu posto de trabalho e caminhar até o seu colega do que enviar uma mensagem instantânea ou um e-mail. Mesmo embora tenta-se representar, neste novo ambiente cibercultural, os sentimentos, sensações e emoções pelos chamados emoticons não há, na realidade, qualquer semelhança com estes que são transmitidos, verbalizados e sensorialmente percebidos presencialmente. Longe de demonstrar saudosismo estas frases tem a pretensão de demonstrar que o corpo no dia-a-dia perdeu a importância e referência que antes tinha, para que, em prol do agora, do imediatismo, seja assumido um corpo representativo do outro, sendo que algumas vezes não há, tampouco, o seu referencial. Há em todas estas novas situações (já não tão novas assim) a percepção do mundo pelos olhos da velocidade: é mais rápido enviar uma mensagem instantânea e telefonar do que ir até o outro. Há a perda do “sentido de realidade” pela necessidade de atualização e velocidade constante ao acesso às informações, sejam elas de quaisquer ordem.
Faz-se interessante mencionar o ponto de vista de (1991, p. 16) no que tange esta perda de sentido da realidade ao propor que não se trata, porém, de grande perda, pois, na verdade, há uma lógica perversa envolvendo isso tudo: um mundo de mercadorias, de imagens, do mass media. A emancipação desta realidade perversa consistiria na liberação das diferenças, das divergências, da espectralidade, retomando-se o dialeto, o conjunto de elementos locais, conforme Vattimo (1991, p. 17), ou a língua, a palavra, a leitura e a escrita, como propõe Virilio (2000, p. 70), para tanto seria necessário o abandono a certos tipos de atividades.
Quanto à questão do desaparecimento, Trivinho (2004a, p. 18) aponta que o princípio do desaparecimento e da instantaneidade, tornaram-se os cânones do mercado. A instantaneidade, a aplicação do tempo real não apresentam correlação com o tempo histórico, o tempo que passa, o tempo do relógio. Fazem parte de um tempo único, um tempo da astronomia (VIRILIO, 2000, p. 13), na qual as capacidades de interação e de interatividade instantâneas se aplicam. Há a perda do solo e também a perda da concepção até então vigente sobre o tempo (ambos motivados pela velocidade e pela temporalidade envolvidas no movimento gerador de qualquer ação), resultando na reinvenção do tempo e na obliteração do real em prol do tempo real e do espaço espectral, do imediatismo e da presentidade. A vinculação com a velocidade faz com que seja modificada a relação, que antes era inextricável entre corpo, tempo e espaço, tornando tudo, não mais relativizado, mas absoluto: tanto o tempo como o espaço assumem a mesma velocidade: a velocidade da luz.
Arrastados pela sua extrema violência, não vamos a parte nenhuma; contentamo-nos com trocar o vivo pelo vazio da rapidez. No domicilio ou em viagem, indiferentemente, não se tratara já de admirar a paisagem, mas apenas de vigiar os ecrãs, os seus mostradores, a regie de sua trajetória interativa, isto é, de um trajeto sem trajeto, de um tempo sem tempo. (VIRILIO, 1993, p. 114).
A velocidade, então, faz com que haja uma aculturação dos sentidos percepcionais, um treinamento de comportamento conformes e paradigmas domesticados, matando a alteridade inerente a cada ser humano (Trivinho, 2002, p. 262-3). Esta pura funcionalidade transforma pessoas em máquinas, nas quais a precisão, o tempo veloz, a instantaneidade são elementos que se põem como necessários nas relações sociais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As palavras-chaves que descrevem o processo atual que se instaura é o de caos, auto-organização, conflitos incessantes e adaptabilidade. Será que isso tudo não se dá pelo fato das pessoas não quererem identificar-se com a realidade, mas sim com o longínquo, com a forma com que este se apresenta, sem que identifique-se e diga a que veio? Não seria, portanto, uma forma de fuga do modo real que lhe é apresentado, em busca da presentificação do longínquo? Não seria medo de encarar a manifestação bruta e abrupta do imediato próximo, o imprevisível, o não planejável mas o sentido, o sofrível, o realizável? Com qual “realidade” a convivência torna-se mais amena: com o longínquo presentificado ou com o real obliterado?
Notas
- O termo cibercultura que propomos aqui é para significar, segundo Trivinho (2002, p. 265), uma categoria ampla, não restritiva aos espaços internos do cyberspace mas a cultura que o envolve e indexa a nossa existência; se coloca como configuração de época, além e aquém do cyberspace; recorta tanto o tempo produtivo (trabalho) como o de lazer (domo). É “...processo social histórico de dromocratização da vida humana, [...] [regido por] dois princípios: o de desempenho e o de eficácia, conjugados na menor escala de tempo possível, vigente a cada época”. (TRIVINHO, 2004, p.3).
- O poder está nas mãos daqueles que tem domínio cibercultural pleno. Entenda-se por isso, segundo Trivinho (2002, p. 267), que deva ter domínio das senhas infotecnológicas: objeto infotecnológico, produtos ciberculturais compatíveis, status irrestrito de usuário da rede, capital cognitivo necessário para operar estes três fatores, capacidade geral de acompanhamento regular das reciclagens estruturais de objetos, produtos e conhecimentos, com domínio privado pleno.
- Dromos é um prefixo grego que significa rapidez e que vincula-se ao território geográfico. (TRIVINHO, 2004, p. 1).
- A relação epistemológica entre veículo de transporte e meio de comunicação se dá pelo fato de que ambos são vetores sociodromológicos da existência. A reciproca de que ambos servem tanto para comunicar como para transportar se faz verdadeira, dado que partida e chegada não se põem mais como situações adversas, motivadas pelo fato da imediatidade. (TRIVINHO, 2004, p. 6).
- A correlação entre meios de comunicação infotecnologicizados, a violência e a guerra, o que demonstra a militarização da informação e por conseguinte, da ciência é estudado por Virilio e Trivinho. Para um reconhecimento ou aprofundamento a respeito vejam-se Virilio (2000) e Trivinho (2004).
- Tautismo é um “neologismo formado pela contração de ‘tautologia’ (‘o repito, logo provo’ tão atuante na mídia) e ‘autismo’ (o sistema de comunicação torna-me surdo-mudo, isolado dos outros, quase autista), neologismo que evoca um objetivo totalizante, na verdade totalitário (o visgo que me cola à tela, a realidade da cultura telística, realidade sempre mediada, ao mesmo tempo que exibida como realidade primeira). Em outras palavras, passo a tornar a realidade representada como realidade diretamente expressa, confusão primordial e fonte de todo delírio.” (SFEZ, 2000, p. 13).
- Transpolítica é um termo que apresenta a conotação do que é feito por todos e por ninguém da mesma forma que para todos e para ninguém, com um objetivo que não se sabe bem a que veio. É de natureza, portanto, pantópica. Transpolítica para Baudrillard equivale ao congelamento estrutural do movimento da história, no qual ambos combatentes proíbem-se de dar passos à frente pelo temor de represálias. É a impotência ou impossibilidade de fazer política. Já para Virilio é a guerra do ponto de vista da velocidade e voltada para ela mesma, com invisibilidade civil, feita no político e para além dele. Em Trivinho o termo transpolítica “nomeia a natureza refratária de acontecimentos, processos e tendências sociais que se autolegitimam e se consolidam aquém ou para além do potencial de previsão, administração, gerenciamento ou monitoramento por parte da política e das instituições herdadas do projeto da modernidade; a transpolítica diz respeito a tudo aquilo para o que a política, em seu modelo realizado, com seus recursos institucionais de praxe, não está preparada”. (TRIVINHO, 2004, p. 15).
Referências bibliográficas
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Trabalho apresentado no III Simpósio Internacional de Bibliotecas Digitais, realizado em São Paulo (SP), no período de 28 de novembro a 2 de dezembro de 2005.
Contato: [email protected]
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