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Análise discursiva de campanha publicitária social: <br>Estudo de Caso AACD (continuação)
Jan 13, 2006
Análise das peças publicitárias da campanha social
A composição visual de todos os layout dos anúncios da campanha publicitária da AACD apresenta uma mesma diagramação, correspondente à que foi descrita neste trabalho. Assim, vê-se em todos anúncios, o logotipo AACD no canto esquerdo, no início do campo ótico de leitura; a exposição vertical no lado direito da capa dos cartões de natal; o titulo centralizado na cor vermelho; o logotipo símbolo “menino vestido de papai Noel” na parte inferior centralizado na página, dividindo um texto que é idêntico em todas as peças, seguida do número telefônico, fax e endereço eletrônico.
Para cada anúncio, foi criado um apelo em forma de discurso, representados: 01 = Aproveite as eleições para preparar seus votos de Feliz Natal; 02 = Finaliza agora, que o Natal não tem prorrogação; 03 = Junho é o mês de São João, Santo Antonio, São Pedro e de mais um novo lançamento: Santa Claus; 04 = Há 2.000 anos as pessoas deixam os cartões de natal para a última hora. É mais que tempo de mudar isso.; 05 = Faça o pedido pra gente, que o bom velhinho está de saco cheio.
Nesse sentido, podemos afirmar, segundo Martins, que a estrutura dos anúncios apresenta um processo organizado de mensagem, pois todos registram: texto, ilustração e imagem, obedecendo a uma seqüência harmoniosa. As imagens dos cartões inseridos na linha vertical do layout são compostos de dois jogos de oito unidades. Em dois anúncios, obedecem às mesmas ilustrações e em três foram colocados outros modelos iguais unificando suas ilustrações. Os cartões ilustram uma simbologia do discurso natalino, envolvendo árvores de natal, neve, pomba da paz, numa geometria moderna e atraente. São cartões com harmonia de cores e formas.
Este texto é composto de seis enunciados articulados, constituindo o discurso do convite à compra dos cartões de natal. Constitui sua primeira frase, a expressão de uma tendência do ser humano, sujeito ao “esquecimento”, a deixar sempre para a última hora. Trata-se de atitudes institucionalizadas ideologicamente em nosso comportamento. Como não existe o novo, existe a tentativa de um “acordo” de entendimento, a voz do outro parecendo dizer que nos compreende.
O segundo enunciado ilustra um processo de intertextualidade. O ano de 2002 foi um convite para as mudanças: novo presidente, novos sonhos, novas esperanças. Nada, pois, mais “normal”do que fazer de “você” interlocutor diferente da massa ou daquilo que sempre fez.
Nesse momento, temos um convite à ação com um forte argumento mercadológico de condição de pagamento. Ao invés de compra já, como é usual nas empresas., foi inserido o “encomende”, termo muito utilizado antigamente, época com dificuldade de pronta entrega. Mas o “encomende” está empregado decorrentemente do aspecto “personalização” que a empresa compradora poderá realizar.
O quarto enunciado é um contra-argumento do anterior, pois ele justifica um posicionamento para o leitor, abordando o aspecto da “ajuda”, ao mesmo tempo que justifica o posicionamento da encomenda imediata para sua personalização. Configura-se nesse sentido, “o dito”.
O convite à proposta é apresentado com a forma como poderá ser realizado. Ou seja, a pessoa, o empresário, não terá trabalho; é só marcar, é só ligar, que o promotor, homem de negócio conhecido no mundo empresarial, irá para ajudar.Para finalizar, uma promessa: o seu Natal vai ser muito mais feliz. Esta promessa funciona como sendo a última cartada. O pronome seu conota que outros não foram e outros não serão mais felizes. Nesse sentido, temos o jogo de palavras: o leitor poderá ter a chance de ser feliz, ou o leitor poderá ter a chance de fazer alguém feliz.
Quanto aos títulos, que são compostos de frases notícias, são diferenciados para cada chamada de cada anúncio, desenvolvendo um apelo emocional na contextualidade do momento do ano. Segundo Sant´anna, como vimos, tem uma importante função: chamar a atenção. E na cor vermelha estimula a leitura, pois tem como finalidade despertar interesse.
Em todos os títulos, existe uma intertextualidade com os fatos históricos vivenciados no momento e bem conhecidos do povo em geral. Não são acontecimentos elitizados; são acontecimentos que interessam a todas as classes sociais. O primeiro título faz alusão às eleições a serem realizadas em 2002.
O segundo alude aos jogos de futebol. O terceiro traz os santos como ponto de apoio; são os personagens bastante conhecidos do grande público que aprecia as festas juninas. O quarto, explora a tendência habitual do ser humano de deixar tudo para última hora. Finaliza-se a campanha com o último anúncio que ironiza a situação de sempre: estar “pedindo”...
À luz das propostas de Martins, como vimos, desenvolve-se um apelo racional na diagramação da Campanha, pois a tradição da AACD na venda dos cartões é um fato e o produto cartão é diagramado no próprio layout. Mas tem seu apelo emocional no texto/discurso, que é apresentado idêntico em todas as peças.
Assim, retornando os princípios que regem uma boa elaboração de layout, vemos que os anúncios em análises apresentam: princípio de equilíbrio, pois os elementos estão distribuídos harmoniosamente nos espaços; princípio de direção visual, uma vez que sua leitura começa conforme o próprio princípio, pois sua assinatura, seu logotipo se encontra no canto superior esquerdo; princípio de proporção, isto é, temos em todos os anúncios quatro proporções – logotipo canto superior esquerdo, linha vertical no canto direito, texto na parte inferior centralizado e título centralizado; princípio da unidade: os elementos estão distribuídos constituindo uma unidade na peça e na campanha; princípio de contraste, configurados no título apresentado diferente para cada anúncio, pois para cada peça foi concebida na sua contextualização com o momento; princípio da harmonia, que estimula uma maior compreensão do texto/discurso.
Considerações Finais
No Brasil, a ação social vem sendo utilizada como diferencial competitivo e para influenciar comportamento coletivo e agregar valor a sua imagem para gerar vendas, confundindo-se assim, muitas das vezes, com ação de promoção social.
O Instituto Ethos divulga que, em seus dois anos de experiência, as empresas vêm demonstrando grande sensibilidade aos problemas sociais, realizando todas essas ações que verificamos no mercado.Outras pesquisas realizadas pela IPEA, SEBRAE e UFPE trazem dados cada vez mais otimistas da atuação no desenvolvimento de projetos sociais no Brasil, servindo assim como formadores de correntes de incentivos para o mercado empresarial.
Entrevistas em periódicos da área de comunicação, os (as) gerentes (as) de marketing de algumas empresas divulgam que tais campanhas são estratégias de fortalecimento de suas marcas, além de posicionamento mercadológico.
Pesquisas confirmam que consumidores mudam de marca por conta dessa atitude, quando essas empresas realizam ações eticamente de cunho social, conquistando preferências, admiração e respeito do consumidor.
Ainda nesse contexto, o consumidor registra sua preferência de compra por organizações que demonstram preocupações com seu bem-estar, trabalhando paralelamente sua responsabilidade social e as atitudes e atividades do consumerismo.
E a responsabilidade social vem germinando na essência das organizações, quer no sentido da confecção de seus produtos, como na negociação dos mesmos, quer no tratamento junto aos seus consumidores finais.
Esta responsabilidade não elimina o forte apelo de consumo que exala na sociedade eminentemente capitalista, mas cria premissas para favorecimento de uma igualdade de possibilidades de ajustes sociais. Nesse sentido, a indústria já começa a registrar a preocupação de produtos ecologicamente corretos.
Porém, esta questão não atingiu ainda o nível comunicativo das organizações em geral. Registra-se uma atuação com as manobras discursivas dos apelos emotivos, da retórica de argumentação, como tivemos oportunidades de demonstrar ao longo desta dissertação.
Os discursos publicitários são arquitetados com uma sutileza inquestionável, pois têm a possibilidade de utilizar a contextualização como fator enriquecedor de sua construção. Acrescenta-se a utilização dos recursos visuais, que ajudam na compreensão e aceitação de tudo o que é anunciado.
O discurso social não deixa de ser diferente, pois utiliza o recurso do discurso autoritário para conduzir seu leitor para a ação desejada por ele.
Os anúncios revestem-se da força de um apelo aliciante que convida o consumidor a aderir à idéia da compra. Condicionam até mesmo uma gratificação ao uso do produto divulgado - no nosso caso, o cartão de Natal. É o emprego da técnica persuasiva, denominada esforço-recompensa por estudiosos do discurso publicitário.
Manifesta-se, assim, a força da publicidade configurada no discurso que, com ela, perfaz o espírito e a forma da campanha publicitária social.
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Trabalho apresentado no CELACOM 2005 - IX Colóquio Internacional sobre a Escola Latino-Americana de Comunicação, realizado pela UMESP no período de 9 a 11 de maio de 2005
Contato: [email protected]
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