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O livro e a produção acadêmica

May 29, 2006

A idéia de conhecimento como bem privado foi dominante em várias épocas e culturas. Não é por acaso que, em paralelo com o florescimento do espírito científico renascentista e pós-renascentist

A idéia de conhecimento como bem privado foi dominante em várias épocas e culturas. É plausível dizer que o traço mais distintivo da revolução intelectual dos séculos XV e XVI – que resultará na constituição do que hoje chamamos de revolução científica, na tradição galileana e newtoniana - seja justamente o abandono daquela concepção e a instauração de uma idéia de conhecimento entendido como saber partilhado. O avanço da ciência e, de modo geral, do pensamento teórico e racional é fruto de uma ação coletiva e crítica, sensível à contribuição, mesmo que pequena, de qualquer praticante, intervenção capaz, em princípio, de desautorizar até os conhecimentos e autores mais respeitados. A ciência merecedora desse nome é fundamentalmente democrática e destitui a figura do sábio esotérico, monopolizador do saber.

Não é por acaso que, em paralelo com o florescimento do espírito científico renascentista e pós-renascentista, as universidades européias tenham começado a perceber a necessidade de fortalecer canais de comunicação intelectual e tenham passado a promover a criação de editoras universitárias. Evidentemente, este movimento acompanhou uma vaga mais ampla: casas publicadoras, viabilizadas agora tanto pelo espírito da época quanto pelo aperfeiçoamento técnico da imprensa, fortaleciam-se e enraizavam-se. As editoras alcançavam gradualmente um patamar estável e reconhecido de parceiro privilegiado da concepção de conhecimento ainda hoje dominante. O editor contemporâneo é, assim, intrinsecamente um difusor, um agente complementar daquela idéia de saber, contribuinte de um debate que pressupõe a troca de informações, o realinhamento de rumos e a receptividade a propostas alternativas. Esta é uma ocupação nobre que cabe e honra a todos os responsáveis por empreendimentos editoriais.

Mas qual o estado dessa dinâmica essencial no Brasil de hoje? Ainda que abstraídas as dificuldades crônicas que afligem as instituições de ensino e de pesquisa, é flagrante que a outra ponta do processo, a publicação do trabalho intelectual, enfrenta enormes desafios. A fragilidade das editoras brasileiras, especialmente se considerada a produção científica e acadêmica do setor, é flagrante. A demanda tem obedecido patamares extremamente baixos. As editoras reagem multiplicando seus títulos e inchando seus catálogos, tudo no intento de chegar até a estreita faixa da população que cultiva o exótico hábito de ler. As livrarias, em número cada vez menor, vêem-se soterradas pelo grande número de lançamentos que enseja a impressão de um mercado vigoroso. Mas o estrangulamento de canais de venda e os preços altos, conseqüência natural de tiragens que impedem ganhos de escala, não deixam margem a ilusões e completam um quadro extremamente ingrato a qualquer possibilidade de ampliação do público leitor, realimentando assim um círculo vicioso.

A ameaça pendente não pode ser encarada apenas como curiosidade circunscrita a parcela de um mercado que, do ponto de vista financeiro, é pouco mais que medíocre. Um país em que a média de leitura mal ultrapassa um livro-ano por habitante é, a rigor, pré-renascentista, no sentido já mencionado, uma república obscurantista. O destino de políticas de inclusão intelectual e da democratização do conhecimento no Brasil é indissociável da fortuna de seu parque editorial e livreiro. O fortalecimento do livro é tarefa que deveria interessar a todos nós.

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Jézio H.B. Gutierre é professor de Filosofia da Ciência na Universidade Estadual Paulista – campus de Marília e Editor Executivo da Editora UNESP
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